sábado, 31 de dezembro de 2011

Saudação a uma outra primavera


porque é preciso adeus
à chegada de uma outra primavera
tão semelhante e tão, simultaneamente,
distinta que essa

hercília fernandes






Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

Cecília Meireles,
fragmento de Saudação à Primavera.


sábado, 3 de setembro de 2011

Ratos e insetos podem: professores NÃO!


a dor que, hoje, me abate
não é a mesma de ontem

é maior que as migalhas
ao pé da mesa ornadas

: plantio de fé na fome

mas isso não é amor,
sequer caridade...

hercília fernandes


Nuvens negras de um Estado mórbido degeneram aviltantemente a figura mais nobre do processo educacional: o professor.

Este elemento poderá ser julgado, preso e condenado se insistir em compartilhar da merenda distribuída nas escolas pelas entidades responsáveis.

Verdade, medida judicial não se discute, se cumpre. O governo agradece concomitantemente. O problema é do professor, ele que se vire. Não há o que reclamar.

O governo ostenta sua gestão, esclarecendo que está atendendo aos Princípios da Legalidade e da Eficiência do Serviço Público. Grande eloqüência e exemplo de moralidade. Contudo, não sei se merece nossos aplausos.

Crianças que não chegam às escolas por falta de transporte escolar, estruturas físicas em ruínas, desabando sobre as cabeças de alunos, funcionários e professores, por falta de manutenção. Educadores estressados e desmotivados, salários aviltantes, desvios de recursos públicos por vias corruptivas, um caos que se generaliza, um torpedo que explode nas estruturas de uma educação decadente.

Exemplo de moralidade e eficiência dessa ideologia dogmática executada por legítimos representantes da classe trabalhadora.

Lotes de remédios vencidos ou não, encontrados nos lixões, toneladas de alimentos estragados, crianças passando fome, pessoas morrendo por falta destes mesmos medicamentos e a sociedade estarrecida e impotente diante deste descalabro administrativo governamental.

Além da queda, o coice. Professores impedidos de alimentar-se da merenda escolar. Cedo, às pressas, se levantam, café da manhã nem pensar, o tempo não espera, duas ou três escolas, varias conduções para ao destino chegar. Hora marcada, compromisso formalizado. Uma verdadeira proeza na execução de suas atividades pedagógicas em circunstâncias tão adversas.

Atitude impensada, inadmissível e irresponsável, negar ou impedir que o educador usufrua da alimentação escolar.

Negar este benefício é imprimir um atestado de incompetência, desqualificar a valorização deste profissional é jogar a educação na lata do lixo.

O Estado e o Ministério Público têm coisas mais importantes para se preocuparem. Ofertar um pão ao professor que tanto colabora didática e pedagogicamente para o desenvolvimento cultural e intelectual da nação não pode ser considerado algo errado. Errado mesmo é esta atitude medíocre e mesquinha, incompreensível para homens e mulheres de bom senso.

Nos palácios e ministérios da vida todos se alimentam. Hora marcada, café pomposo, merenda excepcional, quem paga a conta? Sim, a lei 11.947 de 2009 foi feita por eles, não para eles, mas para nós. Sim, estes mesmos senhores que por nós passaram, que aqui estudaram, que os formamos para vida e aos quais, em modéstia parte, contribuímos para que se tornassem excelentes profissionais. É desta forma que eles nos agradecem. Sim, este é o reconhecimento.

Caros colegas professores. “Se vocês tremem de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros” (Che Guevara).

Senhores representantes, governantes e magistrados, nós que aqui estamos, por vós esperamos.

“O maior prazer de um homem inteligente, é bancar o idiota diante de um idiota, que banca o inteligente” (Confúcio).


Severino Ramos de Araújo,
Graduado em História, pela UFRN.
Prof. do Centro de Educ. de Jovens e Adultos Profª Lia Campos,
Natal- RN.


*Texto compartilhado pelo educador Flávio José, do Rio Grande do Norte, no Facebook.
**Imagem disponível aqui.

sábado, 23 de julho de 2011

Hercília Fernandes e As Iluminuras do Silêncio


 miúdas são as letras
que, em nós, se inscrevem
nos impele a ser.tão



Caríssimos(as) Amigos e Amigas,

brevemente estarei publicando o livro Nós Em Miúdos, obra que reúne três anos de atividades poéticas no blog HF diante do espelho.

Para a nossa alegria, crescimento humano e literário, o livro conta com Prefácio escrito pelo poeta e crítico "Lau Siqueira", autor da obra, recentemente publicada pela Editora Casa Verde, "Poesia sem pele".

Iniciando os trabalhos de difusão do Nós Em Miúdos, Lau Siqueira fez uma bela postagem de sua escrita de prefácio no blog Pele Sem Pele, por isso venho convidar-lhes à leitura do artigo, através do post intitulado “Hercília Fernandes e As Iluminuras do Silêncio”.

Estou imensamente contente com as palavras proferidas pelo inventivo artista e sensível analista à minha poesia, e gostaria muito que vocês, amigos(as) leitores e leitoras do Novidades & Velharias, compartilhassem do meu enorme entusiasmo e satisfação.

Abraço caloroso,
Hercília Fernandes.


*Arte: Marc Chagall.
**Poema: Hercília Fernandes in fragmento de "Vasta EspecificAção".

domingo, 29 de maio de 2011

Ensinamento: "gentileza gera gentileza"



perdeu a mão
para a escrita

não obtém bom verso
nem mesmo pobre rima

é que só sabe
sentimento

aquela palavra de luxo...


Hercília Fernandes

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.

Essa palavra de luxo.


Adélia Prado,
In Ensinamento




Vive-se uma época de retrocesso à barbárie. As bandeiras e os instrumentos de guerra, no entanto, já não são os velhos e encardidos panos, nem as espadas grotescas e as armaduras enferrujadas sobre/sob cavalos altivos...
Aprimoram-se os discursos, inventaram ideias, falsearam a realidade: “apagaram tudo, pintaram tudo de cinza”...
A palavra, outrora vinda para esclarecer os homens, tornou-se objeto de manipulação, exercício de poder e de saber. O amor, sentimento humano maior, constituiu-se objeto de riso, siso, fabulação...
E, nesse palco de dominação, anjos rebeldes são postos ao fogo, crianças e idosos jogados às próprias sortes. Mulheres violentadas, silenciadas e mutiladas em seus desígnios. Humanos morrem a cada dia e mortos-vivos enfeitam cenários; e, autômatos, enredam cenas reais nessa grande comédia da vida moderna.
Todavia, o palco não é mais o “bem perdido”, o locus amoenus redentor, élan vital capaz de oferecer luz às ideias. O palco, composto por “flores de cimento”, não configura a natureza idílica gritante, mas as pedras cuidadosamente emparelhadas, ornamentalmente bem elaboradas...
Compõem-se as cores da cidade: tons opacos, nublados, acinzentados; mãos e sinais fechados, olhos empoeirados... Cenário rude, pobre, nefasto!
E nesse teatro mortificado surge, então, o fogo; e, com ele, a devassidão, a claridade e a normalização... Entretanto, não é o fogo o temível vilão! Não é o fogo o terrível atroz da multidão!...
O fogo deixa rastros pela cidade e, com as nuvens de fumaça, vem acordar a criatura humana da sua rudeza e automatização. E em meio a desolação, um homem se levanta e grita à multidão: o MAL reside no coração!
Um homem - "com a sua dor estampada na cara" - entra em cena nesse “circo” de horrores. E, nele, recolhe doentes, expande sonhos, alimenta crianças, velhos, “lobos” e “dementes”...
Um homem com a sua dor, com a dor escancarada na longa barba, grita: só existe um caminho, o caminho é o amor!...
Mas as pessoas estão por demais ocupadas para receberem o pão na farta mesa. Seus corações, presos no cimento e no vazio, ignoram “palavras de Gentileza”. E não percebem quantas cores podem existir no mundo, na natureza, recusando-se à frase: “Gentileza Gera Gentileza”!
E, mesmo com a sua tamanha e gentil Gentileza, o circo continua pegando fogo e as pessoas que, “apressadas passam pelas ruas da cidade”, caminham silenciadas por intermináveis círculos de escuridão, posto que: “a palavra no muro fora coberta de tinta"...
O homem, com a sua dor, é afastado da cega e homogênea multidão, tiram-lhes a mobilidade do estandarte e os instrumentos de luta; tiram-lhes, da palavra, a trindade redentora: “amorrr”.
Amor escrito com o “R” do Pai, com o “R” do Filho e com o “R” do Espírito Santo. E o circo novamente invade a cidade e expande-se pela escola, e a escola rouba a vida e o tom cinza pinta negritudes nos corações.
Porém, a “gentileza que Gentileza gera” insiste em resistir e, em meio às flores de cimento, o profeta - louco, poeta, menino - indaga os mortos-vivos e deixa o questionamento como herança:
- “Qual o mais importante: o livro ou a sabedoria?
Amor, palavra que liberta, já dizia o Profeta!”

Eis, aí, a gentileza na sofia do Messias!...

Hercília Fernandes



*Textos elaborados em processos de “intersubjetividade” com Adélia Prado, Marisa Monte, Zélia Duncan e tantos outros Outros...
*Imagens disponíveis na Internet.

terça-feira, 8 de março de 2011

Às Marias


Hoje é dia de Maria...

Maria dos morros dos velórios
das sacadas das calçadas
dos achados dos perdidos

da Maria-vai-com-as-outras
e da outra, a que fica

Daquela Maria que almeja
paixão preguiçosa
que mexe remexe acomoda
(não se atreve ir embora)
traveste-se em amor

Também da Maria-abismo
antro de perdição
Maria-bordô!

Da Maria de encantos mil...

Maria-rosa chocolate
branco neve algodão doce
Maria-espinho

Importada nacional
acadêmica analfabeta
executiva piloto de fogão

Maria do príncipe
(futebolístico ou não)
Maria que ama Maria...

Daquela que crê que reza que implora
que vai à igreja que despacha na esquina
que não dá bola

Maria da fome, dos talheres de prata
erudita popular
(“ir-me-ei...; toma lá da cá!”)

Maria boêmia abstêmica
avião balão
Maria, Maria...

Bruta lapidada
peçonhenta panaceica
(dese)equilibrada
puta indissoluta
(r)evolução estelar

Todas belas, todas manias
com ou sem cria
Marias emoção!

Sim, todo dia é dia de Maria!
que tomba levanta que sonha
que cala, das vozes-maria

Maria (im)perfeição
Maria poesia

- Ave, Maria!




Dados sobre a Autora:

Lou Vilela é natural de Natal-RN, residente na cidade do Recife-PE. Formada em Administração, com Especialização em Logística Estratégica, atua no sistema público federal há alguns anos e, simultaneamente, dedica-se às atividades literárias. Na web, a autora expande a sua voz nos blogs pessoais: Nudez Poética, Histórias (re)inventadas e Ritmos e Rimas, sendo este último dedicado às crianças. E é assídua colaboradora nos espaços coletivos “Maria Clara: simplesmente poesia” e “O Gato da Odete”. Contatos com a autora: louvilela@hotmail.com





Referência:

VILELA, Lou. Às Marias. In: FERNANDES, Hercília (Org.). Maria Clara: uniVersos femininos. São Paulo: LivroPronto Editora, 2010, p. 99-100.


*Imagem localizada no Google sem indicação de autoria.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

30 Mensagens de Amor e Uma Recordação

.........Neste sábado, 12 de fevereiro de 2011, o poeta português “Vicente Ferreira da Silva”, autor dos livros “Metafísica [Poética]” (Ami: 2007), “Interlúdios da Certeza” (Temas Originais: 2009) e "Diálogos, Epístolas Inertes" (Edium Editores: 2010), dentre outros, estará lançando, na Reitoria da Universidade do Porto, às 16:30, o seu recente livro de poesia: “30 Mensagens de Amor e Uma Recordação”, pela Edium Editores. 
.........O livro, além de sua natureza propriamente poética, segundo explanação do poeta, realiza “uma ponte entre mundos lusófonos”, tendo sido prefaciado por “Maria Luísa Malato” e posfaciado por mim, “Hercília Fernandes”.
.........Na obra, Vicente brinda-nos com 31 poemas que tematizam as profundezas do interior humano, expandindo em versos um sentir/pensar filosófico cuja fonte inspiradora alia-se a complexos fundamentos da Física moderna, dentre eles a “Teoria das Cordas” que, em síntese, propõe-se à (re)descoberta do Universo a partir da unificação dos princípios aparentemente divergentes da Mecânica Quântica à teoria geral da Relatividade de Einstein.
.........Poder-se-ia, então, visionar o poeta por entre as Cordas de um Violino – ou, como metaforiza o autor, entre as *cordas da Harpa do Cosmos[1]* -, entoando liras à natureza, à existência, à sua amada... buscando, com esse “gesto cósmico[2]”, estabelecer unicidade com o Multiverso. E, nesse vislumbre, os filamentos de suas Cordas fazem fluir *o pensamento sentido*, oferecem evasão à emoção, ao sentimento, onde *acontece poesia em ti* e *acontece também poesia em mim*.
.........Além de 31 poemas – ou, melhor, de “30 Mensagens de Amor e Uma Recordação” -, Vicente oferece-nos 4 (quatro) “Cartas” que funcionam, no conjunto da composição, como “glossário”. Assumem, na obra, a função de compartilhar, poeticamente, os horizontes de sua elaboração, os conceitos e as fontes compartilhadas que, aliadas à intensidade da emoção, guiam-no ao pensamento sentido.
.........Assim, as cartas, bem como a soma de referências presente nos poemas, levam-nos a vislumbrar, na obra, a existência de um “Amor Cósmico” concretizado no plano da invisibilidade. Muito embora o sonhador almeje, *por uma breve eternidade*, experienciá-lo corpóreo e integralmente; considerando que: *As ondas da tua paixão atingiram-me violentamente*, e, nelas, coexistem *alturas em que apenas nós somos*.
.........Essas foram algumas considerações realizadas em minha escrita de posfácio, cujo convite do poeta possibilitou-me, fenomenologicamente, experienciar. Para complementar essa breve exposição, compartilho o poema que oferece abertura aos multiversos do autor, donde as palavras [sentidas] levam-nos a acontecer poesia:




.........Acontece poesia em ti
.........sempre que olhas,
.........afirmando uma vida pulsante,
.........magnífica,
.........como
.........o cintilar das estrelas no céu,
.........o resplendor brilhante do Sol
.........nos teus doces
.........e meigos olhos.

.........Acontece poesia em ti
.........sempre que ris,
.........criando umas curvas no rosto,
.........sensuais,
.........como
.........os campos de searas ao vento,
.........as ondas nas águas de um lago
.........ao sabor da quente
.........e harmoniosa aragem do Verão.

.........Acontece poesia em ti
.........sempre que andas,
.........alimentando o nascer de sentimentos,
.........sinceros,
.........como
.........o delicado desabrochar de uma flor,
.........o despontar do amanhecer da vida
.........no enternecido ser
.........do meu coração.

.........Assim,
.........quando
.........eternamente te penso,
.........te sinto,
.........te vivo,
.........por fim
.........acontece também
.........poesia em mim.

.........Vicente Ferreira da Silva


Vicente Ferreira da Silva possui formação em “Gestão de Transportes e Comércio Externo e Estudos Europeus” (Relações Internacionais).
É Auditor de Defesa Nacional e Doutor em “Ciência Política e Relacões Internacionais”, pela Universidade do Minho.
Na Web, o autor atua em vários espaços poéticos, dentre os quais destacam-se os blogs d’Inatingível e Infinito Azul. Atualmente, também escreve ao jornal O Público, de Lisboa. Contatos com o autor: doinatingivel@gmail.com



Notas:
[1] As frases destacadas *entre asteriscos* consistem fragmentos de escritas pertinentes à obra.
[2] BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. Trad. Antonio de Párdua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 95.