quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A poesia ] mar aberto [ de Úrsula Avner


Na última semana de setembro ocorreu a estréia poética no “Maria Clara: simplesmente poesia” das poetisas mineiras Úrsula Avner e Maria Paula Alvim[1].

Ambas residem na cidade de Belo Horizonte-MG, terra natal, lugar onde exercem suas atividades profissionais. Além do fato de serem conterrâneas e dedicarem-se à escrita poética, Úrsula Avner e Maria Paula Alvim trabalham na área da saúde e se dedicam também à educação, ministrando aulas e cursos em suas respectivas áreas de atuação.

Poder-se-ia enumerar várias analogias entre as poetisas, já que, além das aproximações citadas, ambas são porta-vozes dos mistérios que permeiam a alma feminina. Porém, para evitar generalizações, convém que as poetisas sejam apresentadas individualmente.

Desse modo, o Novidades & Velharias se reportará, neste artigo, à apreciação da voz poética de Úrsula Avner, que realizou a sua estréia no espaço de poesia feminina "Maria Clara" em 24 de setembro de 2009.



Úrsula Avner e a imensidão do mar



Úrsula Avner é psicóloga, pós-graduada em Atendimento Sistêmico à Família e em Psicopedagogia. Atua como psicóloga judicial concursada no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte e ministra, então como instrutora, Cursos de Capacitação na Escola Judicial.

Na Web, a poetisa difunde as suas escritas em três blogs pessoais, dentre os quais se destaca o blog Sempre poesia. Além da intensa atividade escrita na Blogosfera, a autora possui página individual no Recanto das letras e no Site de poesias. A trajetória literária de Úrsula Avner comporta participações em três edições em livro de antologias poéticas. Ademais, integra o Clube Brasileiro da Língua Portuguesa a convite da professora, poetisa e vice-presidenta da Academia Mineira de Trovas Sílvia de L. Araújo Motta.

Em seu post de estréia[2], no blog Maria Clara, a poetisa apresentou o poema Sobre o mundo de dentro. Texto que se destaca pela fluidez e subjetividade na linguagem e, simultaneamente, pela intensidade na externalização dos anseios pertinentes ao eu-lírico frente aos acontecimentos da vida e/ou às convenções sociais. Desejos de liberdade e plenitude se expandem em versos melódicos, materializando paisagens de sonhos. Leiamos a primeira estrofe:


Quisera esmerilhar

o sono guardado

em nuvens brancas

fazer esguichar do tempo

vontades aprisionadas

balançar as ancas

soltar ao vento

borboletas encarceradas...


É comum a aparição de imagens oníricas nos poemas de Úrsula Avner. Além da imagem da “borboleta”, - que na criação poética ilustra a faculdade de a palavra se transfigurar através da inventividade e acomodação linguística entre signos – a imagem do “mar”, de sua “vastidão” e/ou “amplidão”, é uma metáfora pertinente a muitos de seus escritos. Tal qualidade pode ser vislumbrada em o texto Inundação, onde a poetisa externaliza a amplitude das sensações experienciadas; lançando-se ] mar aberto [ à composição poética:


Aconteceu em mim

algo de infinitude

em breves versos

despejo da alma

inquietude

não pertenço a tempo algum

o espaço que me cerca

não limita o que meu ser carrega

mar aberto


O mar, a amplidão e/ou vastidão do mar compõem metáforas que expressam a imensidão íntima do poeta. Segundo Bachelard (1978), a imensidão é própria ao devaneio tranquilo e expressa os sonhos do ser por meio da solidão interior que a vida cotidiana geralmente refreia:


A imensidão está em nós. Está presa a uma espécie de expansão do ser que a vida refreia, que a prudência detém, mas que volta de novo na solidão. Quando estamos imóveis estamos além; sonhamos um mundo imenso. A imensidão é o movimento do homem imóvel. [...] uma das características do devaneio tranquilo (BACHELARD, 1978, p. 317, grifo nosso).


As imagens na poesia de Úrsula Avner expressam sonhos sumariamente introspectivos, traduzem intensidade nos sentimentos, nas acepções filosóficas e sensações em sua imensidão íntima. Essa realidade pode ser observada em o poema Amplitude, cujo eu-lírico assegura que:


verso invertido

revela de mim

o que da ferida

sabe o prurido


invento um mar

sem ondas

oceano aberto

do começo ao fim


Assim, além da fluidez e delicadeza na linguagem, da musicalidade pertinente aos versos, do uso de métricas bem definidas e, em outras circunstâncias, de cadências irregulares e livres. A poesia de Úrsula Avner materializa a intensidade da imensidão íntima intrínseca à alma poética e ao devaneio tranquilo; pois conforme elucida Bachelard: “[...] a imensidão íntima é uma intensidade, uma intensidade do ser, a intensidade de um ser que se revela numa vasta perspectiva de imensidão íntima” (idem, 1978, p. 317, grifos do autor).

Em a lira subjetivo-reflexiva e emotivo-sentimental de Úrsula Avner, a imensidão íntima se expande: "mar aberto"...



Notas


[1] O próximo artigo do Novidades & Velharias, escrito por Hercília Fernandes, se desenvolverá a partir da apreciação poética da mineira Maria Paula Alvim.

[2] Na mesma semana de estréia poética no Maria Clara, Úrsula Avner também contribuiu com o quadro Postagem Simplesmente poesia (9), no dia 29 de setembro, apresentando uma crítica literária a partir da poesia de Lya Luft.


Imagens


Mulher na Janela: Salvador Dali.

Úrsula Avner


Referências


BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. In: ______. Filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Vale Santos Leal. São Paulo: Ed. Abril Cultural, p. 181-354, 1978.


______. O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha et al. São Paulo: DIFEL, 1985.


______. A poética do devaneio. Trad. Antonio de Párdua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988.