Hoje, 06 de agosto de 2009, a poetisa mineira Adriana Godoy está realizando a sua estréia poética no projeto de vozes femininas intitulado Maria Clara: simplesmente poesia.
O Maria Clara, - projeto que se desenvolve sob a minha coordenação e colaboração direta de mais duas vozes da Blogosfera: Mirse Souza e Lou Vilela - resulta de estudos iniciados aqui no Novidades & Velharias voltados à compreensão do fenômeno criador, especialmente à apreciação e ao entendimento estilístico-imagético da poética feminina.
Pretendemos com o projeto fortalecer a literatura realizada por mulheres na Web e reunir o material em uma antologia de textos que levará o título do espaço/projeto. Para tanto, estamos ampliando o número de vozes colaboradoras no blog, expandindo para oito poetisas que se distribuirão em duas postagens por semana, sempre as segundas e quintas-feiras. Além da Adriana Godoy, já contamos com a adesão confirmada da Nina Rizzi, Adriana Karnal e Úrsula Avner que farão estréia no espaço nas próximas semanas.
Em comemoração a estréia poética de Adriana Godoy no Maria Clara: simplesmente poesia, que se apresenta com o poema cantiga de ninar, o novidades & velharias traz uma pequena mostra de sua voz lírica para deleite do leitor. Entretanto, antes de apreciarmos a sua poesia, vejamos um pouco da autora e de seu universo criativo.
Adriana Godoy reside na cidade de Belo Horizonte-MG. Na Web publica poemas e pequenas narrativas em prosa em seu espaço virtual Voz. Além de regularmente postar em seu celeiro virtual, a poetisa participa do espaço coletivo Poema Dia, projeto idealizado pelo jornalista Victor Barone que conta com a participação de mais de 30 poetas oriundos de vários encantos do Brasil.
A voz lírica de Adriana Godoy se apresenta forte e terna, por vezes fantasmagórica, ora densa e questionadora. A poeta manuseia a linguagem com notória sensibilidade e sabedoria. Imaterialidade, onirismo e, simultaneamente, concretude e ciência perpassam as suas linhas. Assim, antes de ser um lirismo demasiadamente mergulhado na abstração fantasiosa, no sentimentalismo excessivo e/ou uso apurado de neologismos, a voz da poeta tece universos particulares de contemplação em busca da expressão exata de seu estado emotivo.
Seus temas, geralmente fortes e reveladores, demonstram uma visão de mundo em contínua sintonia com os acontecimentos presentes, que se voltam à compreensão da vida, do outro/mundo, do cotidiano; e, simultaneamente, buscam delinear o estar/lugar da artista no mundo. O eu e o outro social, a morte espiritual e material humana, os discursos, os mitos, as opressões e convenções impostas, tudo lhe serve de inspiração/transpiração para construção de sua poesia desbravadora e reflexiva.
Há quem defenda a idéia de que a poesia lírica, sobretudo a feita por mulheres, gira em torno do subjetivismo primário, da materialização temporal-metafórica das idéias e sensações específicas às experiências interiores; compondo assim o arsenal da literatura de circunstância...
Adriana Godoy, além de revelar o que é exclusivo às emoções, às paixões, ao eu-lírico feminino; aos relacionamentos e comportamentos socialmente convencionados, é uma poeta que escreve o seu ser/fazer no mundo, por isso mesmo comunica, tornando viva uma das maiores funções da arte poética: a promoção do autoconhecimento.
Passemos à voz in ten sa mente forte e terna da poeta:
reverencio os mistérios
mas não os creio divinos
a dor e o sofrimento não são divinos
a humanidade feder e exalar horrores
a natureza gritar e transbordar
agonizar em febre e frio por causa do homem
também não
se deus fosse a natureza
não se chamaria flor a flor
nem bicho o bicho
nem mar o mar
nem homem o homem
há mistérios multitudinários
mas ninguém escolheu
comer o pão que o diabo amassou
ser miserável ter fome e desprezo
lutar em uma guerra inaceitável e desigual
morrer aos milhões por bala perdida ou canhão
à míngua ou solidão?
não me fale em livre arbítrio
a escolha não é essa
quem escolheu sofrer até a exaustão?
reverencio os mistérios
mas não me fale em deus
by Adriana Godoy
o último urso branco saiu do estado hibernal
e caminhou lentamente na árida e fria paisagem
abriu seus braços enormes
resmungou sonetos ancestrais
abraçou-se à própria sorte
escancarou seus dentes afiados inúteis
abriu caminhos tortuosos insólitos
mergulhou no lago negro gelado
não viu rastros de homens
nem peixes nem focas nem canibais
viu algas mortas pardos areais
o último urso branco hibernou
e era primavera
by Adriana Godoy
estamos atrasados, meu amor
o rio já correu
o sol já se foi
e o dia ainda não foi embora
perdemos a noite escura
mais negra que os olhos do diabo
perdemos a hora de dançar com as árvores
com seus galhos como as mãos da morte
o vento está morno e fraco
as flores não têm cheiro
perdemos o trem
que atravessa a cidade
não vamos a lugar nenhum
o tempo já passou
ficamos aqui de mãos dadas
como duas crianças perdidas
as ruas são longas
e estreitas as esquinas
estamos atrasados, meu amor
o mundo esmaga os nossos sonhos
lentamente, intensamente.
by Adriana Godoy
Nota:
Aquarelas de Rafael Godoy, "filho" da poetisa. Imagens disponíveis no blog da autora.