sexta-feira, 8 de março de 2013

Lado a lado


“Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher...”
(Dito popular)



A novela global "Lado a lado", cuja exibição do último capítulo dar-se nesta sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional das ‘Mulheres’, tem evidenciado a recentidade histórica das múltiplas violências, físicas e simbólicas, que submeteram as mulheres brasileiras, no entre-séculos, aos ditames de uma "poética do silêncio".

Assim como a personagem Laura (professora e jornalista, que lutara por seu estar e de outras mulheres no mundo, contrariando os valores hegemônicos da aristocracia cristã-burguesa), inúmeras mulheres foram, no período, classificadas como “loucas, subversivas ou prostitutas” por reivindicarem ocupação em cargos públicos e o efetivo exercício em práticas sociais para além dos limites do privado.

No entre-séculos, as mulheres que contestavam as interdições impostas pela mentalidade tradicional, além de serem percebidas por categorias masculinas que as denegriam ideológica e moralmente, eram proscritas socialmente pela própria família, sendo afastadas do convívio afetivo imediato, muitas vezes sentenciado pela figura da “matriarca”, mulher de poder da tradição, e legitimado pela ciência mental, a psiquiatria.

No caso da atuação da mulher escrevente, as publicações, a imprensa e os meios de comunicação em geral contribuíam para reforçar a negação das identidades das mulheres enquanto sujeitos históricos. O que exigira por parte das escreventes a adoção de mecanismos correspondentes à mentalidade e aos comportamentos sociais aceitáveis, que lhes impunham modelos de criação tidos como ideais, além de assinaturas anônimas ou uso de pseudônimos masculinos.

Esse estado de coisas remete à noção de que a dominação masculina impõe uma “ordem” que atua:

“como um mercado dos bens simbólicos dominado pela visão masculina: ser, quando se trata das mulheres, é [...] ser percebido, e percebido pelo olhar masculino ou por um olhar habitado pelas categorias masculinas – as que se aplicam sem que seja possível enunciá-las de modo explícito, quando se elogia uma obra de mulher porque ‘feminina’ ou, pelo contrário, ‘nada feminina’. Ser ‘feminina’ é essencialmente evitar todas as propriedades e práticas que podem funcionar como signos de virilidade, e dizer de uma mulher de poder que é ‘muito feminina’ não é senão uma maneira particularmente suctil de se lhe denegar o direito a esse atributo propriamente masculino que é o poder” (BOURDIEU, 1999, p. 86).*

Todavia, o movimento feminista crescente, as diversas transformações ocorridas no mundo ao longo dos anos, bem como os estudos histórico-culturais, têm colaborado para que se possa pensar as mulheres em contextos diferenciados e a partir de categorias que problematizam sentidos ideológicos hegemônicos, incluindo o desmerecimento e/ou, simultaneamente, a preferência pelo “feminino”. Categoria essa que ocasionara a inversão da realidade histórica, já que as mulheres não se apresentavam dóceis e frágeis (ainda se apresentam?) ou escreviam sentimentalidades e trivialidades do cotidiano (ainda escrevem?) devido as suas particularidades biológicas. Muito embora atributos como afetividade, sensualismo, capacidade interpessoal de se ver no lugar de outrem, de doar-se... figurem igualmente no ser e estar femininos, considerando que constituem, para além das faculdades naturais predeterminadas pelos dons da maternidade, heranças simbólicas suscetíveis a continuidades e rupturas.

E dentro das continuidades e rupturas, a luta pelo fortalecimento da identidade das mulheres pautada no “empoderamento” das singularidades históricas femininas consiste, ainda, uma tarefa desafiadora para o século XXI.

Em meio às mudanças paradigmáticas e estruturas contemporâneas, os sujeitos homens e mulheres vêm caminhando “lado a lado”? Têm recebido as mesmas oportunidades de formação? De acessibilidade e, igualmente, de questionamento e posicionamento crítico diante o mercado de bens simbólicos da humanidade? De inclusão e expansão de suas diversas formas de expressão? Enfim, de empoderamento humano nas diversas práticas e demandas do século XXI? Ou têm se preservado, lacunar e veladamente, sobretudo em grupos histórica e socialmente marginalizados, o velho imaginário de que “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”?


Hercília Maria Fernandes
Cajazeiras, 8 mar. 2013.



Referência:

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Oeiras: Celta, 1999.


Imagens:


Cenas da novela "Lado a lado", produzida pela Rede Globo.


Sugestão de Leitura:

Voz Poética Feminina na Era Blog: Os Casos da Maria Clara (Fernandes, Hercília; 2010, in Línguas & Letras).