quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Crônica: AINDA OS TAMANCOS...


Esta semana li uma frase de Cecília Meireles (1901-1964), contida em uma das suas inúmeras crônicas de educação, que muito me sensibilizou. A autora, com seu jeito sincero de dizer as coisas certas nas horas incertas, fala-nos sobre a faculdade humana de conciliar extremos.

A mim, a frase parece por demais oportuna, visto que o momento é de conciliação e não de posições extremistas - apesar da existência de tantos "ismos" e "istas" circulando mundo afora...

Penso que, se cada um de nós tentar romper as fronteiras que separam gregos de troianos, o mundo seria mais colorido. Porém, estamos sempre tão preocupados em defender as próprias convicções, interesses... que esquecemos que, no outro lado da ponte, há também outras "verdades".

Bem... como é chegado o fim do ano, penso que é hora de começar a arrumar as prateleiras e a geladeira, os cômodos do quarto, a mesa, as cadeiras... e cingir os velhos retalhos daquela colcha de chenile. Rever as coisas esquecidas e os papéis empoeirados no fundo do baú. Enfim, é chegada a festa das gavetas! Abrir as janelas e deixar o sol arejar a casa.

É chegada a hora de calçar "novos tamancos". A vida segue seu fluxo e necessitamos de mais sapatos para calçar os acertos e desacertos, enganos e desenganos do novo ano. Para que possamos, sabiamente, compreender as coisas boas e más que se confrontam no cotidiano; sem, no entanto, perder de vista o ânimo, a serenidade, a tolerância, o bom humor...

Façamos como Cecília, busquemos a unidade do mundo!


"Vivo conciliando os contrários. Criando a unidade do mundo. Como os filósofos..."

(Cecília Meireles).


Nota:


* Texto de Hercília Fernandes publicado em HF diante do espelho, em 21 de dezembro de 2006.


terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Reflexão: NOVOS TAMANCOS


É chegado o fim do ano.
_____________Mais um ano...
_____________Mais um ano...

Um ano para esquecer
Um ano para acalentar
Um ano para redescobrir.

______________O que seria de nós se não houvesse os relógios?
______________E os ponteiros e os calendários e os seus óbitos?

______________[...] se não existissem demarcações?
______________Nos olhos, nas luzes, nas sombras, nas combustões?

______________O que faríamos, nós, com a existência de um grau zero?
______________Uniríamos começo, meio, fim...
______________e destilaríamos nos caldeirões os seus mistérios?

______________[...] se deixássemos ser a chuva?
______________E sermos leveza, transparência, flor, candura...
______________e a tudo transformar?

É chegado o fim do ano
Embora eu já tenha comprado meus novos tamancos...
Não tenho nenhuma pressa em calçá-los!




Nota:


Poema de Hercília Fernandes publicado no blog HF diante do espelho, em 19 de dezembro de 2006.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Continho: PÁRAFRASE


Houve um tempo em que a janela de seu quarto abria-se à leve brisa da noite e aos mistérios da vida.

Em que estrelas incandescentes contavam-lhes histórias interminavelmente compridas.

Em que nuvens formavam-se, no céu, desenhando páginas e mais páginas em gotas embevecidas.

Houve um tempo em que ela escrevia longas cartas de amor.

Em que recortava e colava figurinhas junto ao texto. Em que selava, tão dulcíssima e secretamente, sinceros sentimentos em tão precioso e esperado beijo.

Houve um tempo em que flores eram lançadas ao mar; aviõezinhos à própria sorte; barcos à maré alta; sonhos perdidos, ao luar, em cinza mágica...

Houve um tempo em que eclode a dor da espera, e o silêncio torna-se único pranto possível.

Em que a dúvida tinge códigos vis em pergaminhos indeléveis, e só resta-lhe, enfim, saber-se sozinho.

Houve um tempo em que o texto resumia-se à paráfrase:

Beijos, abraços e declarações de amor!...



Notas:



* Párafrase texto de Hercília Fernandes publicado em 04 de novembro de 2007, no blog HF diante do espelho.
** Arte: Van Gogh.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mini-conto: INSENSATEZ


Havia uma diferença enorme entre eles, mas isso não era o problema maior. Talvez isso até contribuísse para que eles sentissem tamanho amor.

Ela era um pouco dada à distração: sonhadora! Dedicava-se à arte, música, literatura. Apreciava os poetas simbolistas...

Ele era pragmático, metódico, civilizado... Tão racional e categórico que não olhava, ao céu, senão para contar estrelas!

Mas eles se complementavam.

Havia amor entre eles.

E eles se contemplavam como querendo enxergar o eu no outro.


♥♥♥


Há muitas formas de amar. Uma delas se realiza pelo olhar.

No princípio, eles não precisavam de satisfações carnais: beijos, abraços, carícias sensuais... Bastavam-lhes a urgência e a intensidade do olhar.

Mas, os dias foram passando e a cobiça da paixão fora lhes dominando. O anseio fizera com que eles passassem a se estranhar. O que antes consistia pura contemplação fora se transformando, gradativamente, em possessão:

Ela o queria. Ele a ambicionava – um só sentimento em maneiras distintas.


♥♥♥


Porém, toda vez que estavam prestes a se entregarem à insensatez, algo lhes acontecia.

Certo dia, ela embevecida - por tantas letras, canções e asas partidas - lhe escrevera a fim de fazer-lhe ir ao seu encontro.

Ele recebera a escrita tão entusiasmado que até perdera, no percurso, o salto; só para a Lua poder alcançar. Mas, quando ela recebera a resposta já não se encontrava ao seu livre alcance... E não havia mais como retroceder, não havia como de seu Planeta descer!...

O fato é que ela passou muitas luas envolvida àquela mensagem: sonhando, sonhando, sonhando... Ali, enfim, ela tivera certeza da reciprocidade do amor. Entretanto, jamais ela pudera lhe falar sobre a sua impossibilidade de vôo...


♥♥♥


Ele, decepcionado, acreditou que tudo não passava de uma vã brincadeira; jogo de criança mimada.

Ela, ansiosa, fora vendo seu amor se desfazer e, na sua loucura, perdera o equilíbrio e o domínio das ações...

Então, ele deixara de buscar o seu olhar, pois duvidava, duvidava, duvidava...

Ela ainda quis fazer-lhe reconsiderar, mas era tarde demais.


♥♥♥


Como demente ela passou a se comportar, tentando-o ao ciúme. Não que ela aspirasse qualquer outra experiência. Ela só almejava ter de volta o seu amor e o forte sentimento de amizade que, outrora, os uniam. Mas foi aí que ele passou, cada vez mais, a duvidar, duvidar, duvidar...

Ele ficou mudo. Ela entristeceu.


♥♥♥


Não há Natal, Ano Novo ou data de aniversário que ela não o recorde. Durante anos fizera questão de lhe enviar expressões de afeto. Contudo, seu silêncio grita tanto em seus ouvidos que ela também passou a desconfiar, desconfiar, desconfiar...

Ela ainda o ama: não há dúvidas sobre isso! Não há um só dia que, dele, se esqueça, embora já não veja a cor do seu olhar.

Hoje seu coração só guarda saudades. Por isso, ela, também, emudeceu!...



Notas:


* Texto de Hercília Fernandes publicado no blog HF diante do espelho, em 06 de fevereiro de 2008.

** Arte: Marc Chagall.

sábado, 8 de novembro de 2008

Crônica: NO DIVÃ DO JÔ



Em 14 de janeiro de 2007 postei no blog HF diante do espelho uma crônica que funde sonho e realidade para apresentar situações hipotéticas acerca de um possível encontro com o Dr. Freud, melhor dizendo, com o Jô Soares.
No texto - na época intitulei de “No divã do Jô” - realizo uma viagem onírica pelas linhas gerais do Programa do Jô; narrando possíveis experiências e vieses discursivos de uma entrevista. Na ocasião da escrita, encontrava-me elaborando as categorias de análise de minha pesquisa, já então concluída no Mestrado em Educação, acerca de Cecília Meireles e o seu lirismo pedagógico na Literatura Infantil.
Hoje, fazendo uma releitura da crônica, percebo que muitas dessas primeiras impressões puderam ser investigadas e que o poeta e/ou pesquisador das ciências sociais através do “devaneio poético” - como diria Gaston Bachelard: “acordado” - pode vislumbrar, fenomenologicamente, os motivos de sua inquietação e os enigmas que configuram a sua busca.
Além do exposto, a escrita realiza uma espécie de autobiografia, apresentando a multiplicidade de gênios existente em minha personalidade, os campos de interesse e o élan vital capaz de unir pólos aparentemente opostos.
Creio que muitos autores e intelectuais aspiram a oportunidade de entrevista no Programa do Jô. É que o “direito de sonhar”, parafraseando o título de um dos livros de Bachelard, é pertinente ao artista. E, mesmo que o devaneio não se concretize efetivamente, o poeta materializa o onírico em linguagem através da sua fortuna imaginativa, apontando caminhos futuros. Pois, lembremos a célebre frase de Jean Lescure: “O artista não cria como vive, vive como ele cria”.
Passemos, então, a um dos meus devaneios:

Por Hercília Fernandes

Esses dias, não recordo exatamente quando, tive um sonho bastante hilário e ambicioso. Ao dormir, altas horas da madrugada, vislumbrei-me em um divã, cujo psicanalista se constituía a imagem transfigurada do Dr. Freud, o Jô Soares.
Imagine o leitor: o Jô Soares!
Digo que o sonho fora espirituoso, não por conter situações cômicas, trágicas e/ou patológicas – pois, de fato, sequer lembro as passagens... Mas, porque, desde o ocorrido, trago o desejo atrevido de me sentar numa certa cadeira..., que a chamo, afetuosamente, de divã, e deixar-me embalar, aos apelos dos olhos e dos ouvidos, ao som inebriante do Sexteto, as peripécias do Jô analista e aos olhares atenciosos da platéia – nem mesmo o Alex escapa de tais devaneios...
Como sonhar não é pecado e, talvez, um dos únicos direitos assegurados de um ser, possuidor de talento especial, ou não, passei a imaginar tal situação. Tentarei narrar, aqui, as loucuras que fomentam minha fronte desde então.
Bem... acredito que todos, de alguma forma, sonham em um dia experimentar aos sabores do Jô: artistas, intelectuais, profissionais liberais, cientistas normais ou anormais... Enfim, toda uma gama de ismos almeja um dia, ou, melhor, noite, ter a oportunidade de passar pela lente e/ou pente do Dr. Jô Soares, e expor os pensamentos, convicções, sentimentos...
No meu caso, várias questões me tomam a mente: O que teria a dizer em seu programa? Falaria o quê, para quê e para quem? Ou, melhor, qual das minhas personas deveria mostrar-se no enleio? A poeta, a professora-pedagoga, a pesquisadora?
Assisto ao seu programa de entrevista desde a época do “Jô Onze e Meia”, e percebo que os entrevistados debatem sobre diversas situações; porém, sempre as voltas de um tema específico que se entrecruza com outras realidades. Desse modo, qual especificidade poderia, eu, tratar em seu divã?
Antes, quero deixar claro ao leitor que minha intenção, aqui, não é fazer uma suposta promoção, nem também fazer deste maluco relato, motivo de espanto ou indignação - apesar de que, se o leitor assim o quiser, poderá rir do calor de minha exposição. Como falei anteriormente mesmo os dementes têm direito aos sonhos. E, quanto a mim, nos sonhos posso tudo! Inclusive ter o Jô Soares como psicanalista freudiano!
Mas, para não perder de vista o ânimo nem a entrevista, voltemos à narrativa!...
Bem, depois de muito refletir sobre a minha suposta especificidade, pensei o seguinte: Falaria, ao Jô, sobre “lirismo”. De como o lirismo age na minha vida pessoal, literária, profissional. O lirismo, basicamente, se constitui o ponto “G” da minha questão, o elo comum a tantas polivalências, e forma, em mim, uma sincronia e unicidade.
Todavia, surge propriamente a indagação: A quem interessaria tal enunciação? Penso que aos artesãos da alma; aos que ainda sentem, dentro, vibrar um coração. Porque lirismo é o avesso do tédio, da coisificação, da pasmaria, da redundância... Lirismo é reticência, é insubordinação.
Nesse caso, tal ilustração seria lustre aos que desejam uma mudança essencial na educação, como quisera Cecília Meireles (1901-1964) ao pronunciar uma “Lírica Pedagógica” às crianças, cuja obra poética infantil une, simultaneamente, natureza lúdica e pragmatismo.
Sendo o lirismo o motivo da consulta no Jô, contar-lhe-ia o meu envolvimento com a poesia, desde a formação da parceria com o músico e compositor Marcus Vinícius até esses dias[2]. Recitar-lhe-ia versos em alta dosagem de expressividade. Falar-lhe-ia dos meus livros lançados sem editora, entretanto, com apoio cultural do SESC-RN. Falar-lhe-ia dos estudos oferecidos aos educadores da rede pública de ensino sobre poesia e imaginário infantil, e a relevância dessa linguagem e do desenvolver dessa faculdade às crianças e às práticas pedagógicas.
Contar-lhe-ia sobre a minha pesquisa: O Lirismo Pedagógico em Cecília Meireles, no Mestrado em Educação (PPGED-UFRN/Natal), que conta com a preciosa orientação do Prof. Dr. Antônio Basílio N. T. de Menezes. E, sobre o meu abraço à causa nobre da poeta-pedagoga: a de levar à educação e à ciência pedagógica:

[...] um sopro sentimental, que a aproxime da vida quando apenas começa; desse lirismo que os homens, com o correr do tempo, ou perdem, ou escondem, cautelosos e envergonhados, como se o nosso destino não fosse o sermos humanos, mas práticos (MEIRELES, 1984, p. 30)[3].

[Mais...]
Como considero a cadeira do Jô um divã, falar-lhe-ia também da minha timidez – acho que resultante do excesso de lirismo... Todavia, brincar-lhe-ia: Sou tímida, porém falante! Entretanto, depois de pedir-lhe licença, solicitaria ao maestro Osmar uma música envolvente - quem sabe lírica? - a fim de afastar o nervoso da estréia. E, ao Alex, um daqueles exuberantes coquetéis de fruta.
Ao Jô Soares, por fim, agradeceria a oportunidade e contar-lhe-ia, passo a passo, esse devaneio; que, aliás, de hilário só o vislumbre da cadeira do Jô como peça idílica do consultório do Dr. Freud!
E você, leitor, já se imaginou em tal situação? Pense nisso...

Notas:

[1] Crônica publicada no blog HF diante do espelho, em 14 de Janeiro de 2007, pela Profa. Ms. em Educação Hercília Fernandes. Para visitar a primeira postagem do texto e ler os comentários dos visitantes, clique no link: http://fernandeshercilia.blogspot.com/2007/01/no-div-do-j.html
[2] Para conhecer algumas das canções de Hercília Fernandes e Marcus Vinícius visite a página do My Space:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=419565768
[3] MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Summus, 1984.

Algumas referências de Gaston Bachelard:

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. In: ______. Filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Vale Santos Leal. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1978, p. 181-354.
______. A poética do devaneio. Trad. Antonio de Párdua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
______. O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha et al. São Paulo: DIFEL, 1985.

Indicações de leitura:

A Lírica pedagógica de Cecília Meireles em 'Ou isto ou aquilo' (1964): instrução e divertimento. Artigo publicado em www.artigos.com/ Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/a-lirica-pedagogica-de-cecilia-meireles-em-%93ou-isto-ou-aquilo%94-%281964%29:-instrucao-e-divertimento-2056/artigo/
O Lirismo Pedagógico em Cecília Meireles: “Quem fica no chão não sobe nos ares”. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/o-lirismo-pedagogico-em-cecilia-meireles:-%93quem-fica-no-chao-nao-sobe-nos-ares%94...-2821/artigo/

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Outras Vozes: contribuições da blogosfera


O Novidades & Velharias, buscando favorecer a troca de saberes, experiências e poéticas, lança um novo quadro de postagens através da publicação de escritas fornecidas por autores / leitores que acompanham o blog regularmente.
O quadro, intitulado “Outras Vozes: contribuições da Blogosfera[1]”, traz como matéria de abertura um artigo da professora e poetisa Taninha Nascimento, postado em seu espaço virtual No rastro da poesia, que disserta, poética e filosoficamente, sobre a dialética “Silêncio e Voz”.
Além de expor suas impressões e idéias acerca da comunicação na atualidade, a autora contextualiza a sua comovente fala, realizando uma espécie de intersubjetividade poética e/ou intertextualidade com o poema "Eppur si muove" de Affonso Romano de Santana. Passemos para a prosa subjetiva da Taninha Nascimento:
Por Taninha Nascimento

Silêncio e voz são temas recorrentes em canções, poesias e prosas. Na arte e na vida experimentamos vivê-los. Entretanto, nem sempre paramos e refletimos sobre as circunstâncias que os envolvem, sobretudo nas crises. Silenciamos ou, usamos o verbo, sem medirmos ou nos darmos conta das conseqüências deste ou daquele - tanto para a nossa própria história, quanto para a história dos que nos cercam e até da Humanidade.
Quem apaga uma palavra dita? Quem revive o momento para dizer o que não foi dito? Silêncio e voz parecem viver em eterno conflito quando ambos, na verdade, são meios poderosos de comunicação.
O silêncio é - sempre - mais perturbador, claro. No silêncio mora a dúvida, a incerteza. Aquilo "que se pensa e não é dito"... Contudo, quem garante a veracidade das palavras faladas, ou ainda, escritas?
Pois é... Na comunicação perpassam sons, silêncios, palavras, símbolos, gestos... O nosso próprio corpo, que fala.
Na história da humanidade, tudo gira em torno da comunicação.
A comunicação, pra mim, é sinônimo de relacionamento. No sentido mais abrangente que possa haver na palavra.
Alguém se relaciona sem se comunicar? Sim, os tiranos... Somente na tirania há este tipo de "relação". Mas, ainda assim, em resposta, há toda uma expressão que se manifesta na "voz" daquele que a ela está submetido - ainda que se cale.
Triste é uma existência onde não houve – jamais – comunicação. Algo que me parece, inclusive, impossível.
Tudo o que eu disse é tão óbvio... (Risos...). Mas será tão fácil? Não... Não me parece fácil quando penso que, para haver comunicação, é preciso haver sensibilidade. Para haver comunicação, é preciso "ouvir". Saber "ouvir" é fácil? Não! Claro que não é... Saber ouvir é analisar. Analisar demanda tempo e dedicação. Simplificando: atenção.
Atualmente, difícil se ter a atenção de alguém... Difícil se dar atenção a alguém...
Quando penso que, nem sempre, comunicação significa verdade e justiça. E, quando penso que na comunicação precisa haver, ainda, humildade e compaixão... Sim, compaixão: "Se colocar no lugar de"...
Nossa...Que difícil...
Sim. Definitivamente, a comunicação, é o que há de mais complicado nas relações humanas. Onde pode haver progresso ou estagnação; vida ou morte. Ou ainda, morte em vida.
A verdade é que a "voz humana", seja ela escrita, falada, cantada, pintada, esculpida ou ainda silenciada ecoará sempre nos "ouvidos" sensíveis a ela. Estes, a "ouvirão" e a perpetuarão.
A Arte e a História comprovam.
Nesta mesma linha de pensamento, me remeto a um poema, ou prosa poética, que recebi e que me encantou esta semana:


Eppur si Muove[2]

Não se pode calar um homem.
Tirem-lhe a voz, restará o nome.
Tirem-lhe o nome
e em nossa boca restará
a sua antiga fome.

Matar, sim, se pode.
Se pode matar um homem.
Mas sua voz, como os peixes,
nada contra a corrente
a procriar verdades novas
na direção contrária à foz.

Mente quem fala que quem cala consente.
Quem cala, às vezes, re-sente.
Por trás dos muros dos dentes,
edifica-se um discurso transparente.

Um homem não se cala
com um tiro ou mordaça.
A ameaça
só faz falar nele
o que nele está latente.

Ninguém cala ninguém,
pois existe o inconsciente.
Só se deixa enganar assim
quem age medievalmente.
Como se faz para calar o vento
quando ele sopra
com a força do pensamento?

Não se pode cassar a palavra a um homem,
como se caçam às feras o pêlo e o chifre
na emboscada das savanas.

Não se pode, como a um pássaro,
aprisionar a voz humana
A gaiola só é prisão
para quem não entende
a liberdade do não.

Se a palavra é uma chave,
que fala de prisão, o silêncio
é uma ave- que canta na escuridão.

A ausência da voz
é, mesmo assim, um discurso.
É um rio vazio, cujas margens sem água
dão notícia de seu curso.

No princípio era o Verbo-
bem se pode interpretar:
no princípio era o Verbo
e o Verbo do silêncio
só fazia verberar.

Na verdade, na verdade vos digo:
mais perturbador que a fala do sábio
é seu sábio silêncio,
con-sentido.

O que fazer de um discurso interrompido?
Hibernou? Secou na boca, contido?
Ah, o silêncio é um discurso invertido,
modo de falar alto- o proibido.

O silêncio
depois da fala
não é mais inteiro.
Passa a ter duplo sentido.
É como o fruto proibido, comido
não pela boca,
mas pela fome do ouvido.

Se um silêncio é demais,
quando é de dois, geminado,
mais que silêncio- é perigo,
é uma forma de ruído.

Por isso que o silêncio
da consciência,
quando passa a ser ouvido
não é silêncio-
É estampido.

Notas:


[1] Os interessados em contribuir com o quadro "Outras Vozes" poderão entrar em contato com Hercília Fernandes através do e-mail: fernandeshercilia@yahoo.com.br (Nota da editora).
[2] Eppur si muove: Texto de Affonso Romano de Santana para Leonardo e Clodovis Boff. "Ainda assim, ela se move" - Frase dita por Galileu, após abjurar (diante da Inquisição) que o planeta Terra girava em torno do sol (Nota da autora).

Breve Biografia:


Taninha Nascimento é professora efetiva no quadro funcional da Secretaria Municipal de Educação do RJ. Possui Bacharelado em Letras-Português/Literatura e, atualmente, atua como Coordenadora Pedagógica. E-mail da autora: taninha_anjinha@hotmail.com

sábado, 25 de outubro de 2008

Relato da Defesa: CECÍLIA MEIRELES E A LÍRICA PEDAGÓGICA EM “CRIANÇA MEU AMOR” (1924)

Presumo que muitos leitores do Novidades & Velharias já passaram por uma situação de apresentação de um trabalho científico e podem imaginar tão grande é o entusiasmo e, simultaneamente, a apreensão. Da mesma forma, os estudantes que se encontram em meio a um processo de construção científica podem vislumbrar como é peculiar a emoção que reveste a véspera da exposição do estudo e, respectivamente, a ansiedade, já que o trabalho passará por um crivo analítico de uma Banca Examinadora que efetuará um parecer acadêmico.

A emoção e a ansiedade fazem parte desse processo, posto que a escrita acadêmica não se constrói em alguns poucos dias e horas, mas resulta de um longo caminho de “buscas e inquietações”, parafraseando Libâneo. Para se realizar uma pesquisa e materializá-la em escrita científica fazem-se necessários entusiasmos, sacrifícios e, sobretudo, determinação. A emoção e a ansiedade também resultam da carga afetiva que o autor atribui à sua pesquisa, considerando que, além de um pensar racionalmente elaborado e sistemático, um texto científico também provém das convicções e relações que o pesquisador mantém com o objeto de estudo e com os nexos que se podem inferir.

Após quase três anos de estudos e dedicação à pesquisa no Mestrado em Educação, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, chegou-me finalmente o momento de defender a Dissertação intitulada “Cecília Meireles e a Lírica Pedagógica em Criança meu amor (1924)”; junto a uma Banca Examinadora composta por catedráticos que são, cientificamente, autoridades reconhecíveis na pesquisa em História da Educação.

Os dias que antecederam a defesa foram lentos. Cada dia, fragmento de hora foram vivenciados com muita intensidade, tendo em vista que precisei realizar uma síntese crítica do trabalho a fim de preparar os pontos da explanação, bem como desenvolver um olhar criterioso sobre as prováveis limitações e fragilidades da pesquisa. Assim, como detalhista que sou - talvez até por demais chegada às miudezas... -, preparei errata, imagens para slides e convites, argumentos teóricos e discursivos, etc., para defender os pontos de vista do meu trabalho sobre as intencionalidades pedagógicas e funcionalidades sociais expressas na ação pedagógica não-formal de Cecília Meireles na Literatura Infantil.

Chega, então, o dia 17 de outubro de 2008 e, com ele, todas as sensações e apreensões possíveis e tangíveis. Muitas atividades foram desenvolvidas na manhã do 17 de outubro: revisão do material da apresentação, preparo dos itens para o coffee break, compra de flores, etc., tudo isso com o auxílio de minha mãe Maria Inês, da irmã Tânia e da sobrinha Thaíze. E, quando finalmente chega a tarde e, com ela, o momento da defesa, meu coração parecia que saltaria pela boca a qualquer instante...

Mas, passemos, leitor, para algumas passagens inesquecíveis do evento.

A apresentação do trabalho se realizou no auditório do NEPSA (UFRN / Natal-RN), um espaço estética e cientificamente apropriado para conferências, palestras e defesas de trabalhos. Pontualmente às 15h00, o Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes, orientador de minha pesquisa, deu abertura à solenidade, apresentando aos presentes convidados o motivo da reunião, isto é, a defesa de minha Dissertação de Mestrado, e as professoras que compuseram a Banca Examinadora: Profª Drª Margarida de Souza Neves (PUC-Rio) e Profª Drª Marta Maria de Araújo (UFRN).

Após as considerações introdutórias, o professor Antônio Basílio convidou-me para iniciar a apresentação do trabalho. Dirigi-me então ao púlpito e iniciei a exposição, apresentando os principais aspectos de minha pesquisa: título da dissertação, objeto de estudo, dificuldades localizadas na pesquisa, problemáticas, estruturação dos capítulos e algumas conclusões. No tocante à estrutura da dissertação, procurei me centrar nos principais pontos das partes que compõem o texto dissertativo, conforme se podem ler nas imagens abaixo, utilizadas durante a apresentação:

Posso dizer que a minha exposição fora breve e tanto quanto tensa. Como disse anteriormente, a sensação que eu tinha é que o coração saltaria... Porém, procurei deixar as emoções não me dominarem, afinal a apreensão é mesmo um fenômeno compreensível, considerando a natureza do acontecimento!...

Logo após a minha fala, os trabalhos da mesa foram iniciados e a Historiadora Margarida Neves fora convidada a proferir a sua análise. Porém, a professora gentilmente cedeu a primeira ordem de exposição à professora Marta Maria de Araújo que vivenciava, na ocasião, dificuldades relacionadas à saúde de sua mãe.

A análise da professora Marta Araújo teve um início emocionante, já que a dissertação associa a obra Criança meu amor aos valores ideológico-educacionais construídos, no Brasil, em torno dos mitos da maternidade, e a sua mãe lhe presenteara, durante a infância, com este livro de Cecília Meireles. Entretanto, sua avaliação fora questionadora, consistente e bastante criteriosa, onde fizera significativas reflexões relacionadas à estrutura da dissertação, à abordagem, à metodologia e a algumas categorias analíticas. Sem sombra de dúvida suas considerações foram bastante pertinentes para o melhoramento da dissertação, e, na ocasião, pude responder algumas das questões, por ela, apresentadas.

A exposição da professora Margarida Neves fora emblemática. A pesquisadora da PUC-Rio fizera relevantes análises sobre a pesquisa historiográfica, apresentando as dificuldades do pesquisador em compreender o binômio “processo-produto”; a dificuldade de lidar com a “temporalidade”, sobretudo com a dialética continuidade/descontinuidade; e a adoção de um referencial teórico-metodológico não-extremista, capaz de investigar o objeto e condensar conclusões considerando todos os ângulos da problemática. Ademais, a historiadora realizou significativas considerações biobibliográficas sobre Cecília Meireles e a sua vasta participação na educação brasileira; onde questionou, inclusive, algumas das contextualizações e inferências realizadas na dissertação.

Além das reflexões e análises críticas, as pesquisadoras destacaram também as qualidades do estudo dissertativo, apresentando as contribuições do trabalho para a atualização da pesquisa sobre Cecília Meireles e a sua ação pedagógica na literatura infantil brasileira.

Depois das exposições das professoras examinadoras, o professor Antônio Basílio fez as suas considerações sobre a construção da dissertação, fazendo alguns comentários que muito me emocionaram e aos participantes. Em sua fala, ele expressa as suas convicções sobre o processo de pesquisa e o relacionamento orientador-orientando, acenando que sua concepção de formação humana é de encaminhar os sujeitos à autonomia, por isso a sua atuação, como orientador, é de um mediador que auxilia o orientando na compreensão e articulação de idéias, fontes, meios...

A partir daí não pude mais conter as emoções, particularmente quando o professor Antônio Basílio, humildemente, argumenta que se o trabalho apresenta fragilidades, elas se devem as suas próprias convicções acerca de como deve se realizar o trabalho de orientação; e se apresenta qualidades, elas se devem ao mérito de sua orientanda que fora obstinada em sua dedicação à pesquisa.

Seguidas as considerações do professor-orientador, eu e os demais participantes fomos convidados a nos retirar do auditório para que a Banca pudesse formular o seu Parecer. Depois de alguns minutos de espera, o professor nos convida para adentrar novamente no recinto. Antes da leitura do documento, o professor Antônio Basílio comenta que o resultado muito lhe agradou e inicia a leitura. Segundo o Parecer, o trabalho de pesquisa “Cecília Meireles e a Lírica Pedagógica em Criança meu amor (1924)” apresentara consistência teórica, um tema original, contribuições à pesquisa sobre Cecília Meireles e a educação, tendo sido aprovado com o conceito “A” e indicado para publicação mediante revisões sugeridas pela Banca Examinadora.

Conforme as análises feitas pelos professores no curso da Defesa, eu, sinceramente, não esperava por este conceito; e até comentei, durante os instantes de espera, com algumas colegas do Programa de Pós-Graduação que provavelmente o trabalho receberia um “B”. Porém, para minha felicidade, a pesquisa fora apreciada pela Banca Examinadora.

Após a apresentação do Parecer, perguntei ao professor se poderia efetuar algumas palavras finais, o que me fora permitido. Agradeci aos professores, aos colaboradores da pesquisa, aos familiares, amigos e colegas presentes e destaquei a atuação de minha mãe - a quem dedico o trabalho de pesquisa - junto ao meu processo de formação humana e intelectual.

Encerrada a solenidade de Defesa, nos deslocamos para outro ambiente a fim de degustar o coffee break composto a base de doces, queijos e biscoitos caseiros confeccionados, em sua maioria, na micro-empresa familiar de meus pais intitulada “Doce Seridó”, cuja doceira responsável é a minha mãe Maria Inês Fernandes. No café, a minha mãe foi a estrela que iluminou a tarde. Trocou muitas palavras com os professores e demais convidados, recebendo vários elogios relativos às suas iguarias culinárias e também extensivos à minha pesquisa.

Essas foram algumas das muitas passagens vivenciadas durante a Defesa de meu trabalho dissertativo, espero que o conteúdo desta narrativa possa servir aos que se encontram construindo um trabalho acadêmico e/ou estão prestes a defendê-lo.

Termino a explicitação dos fatos expondo algumas fotos retiradas pelo Mestrando em Educação Pablo Spinelli, que ilustram esse momento marco em minha formação científica, sócio-humana e profissional. E aproveito a ocasião, novamente, para agradecer a vasta contribuição teórica oferecida pelo professor-orientador de minha pesquisa e pelas professoras examinadoras:

- Recebam os meus sinceros e afetuosos agradecimentos.


Foto 1: Pablo Spinelli, Hercília Fernandes, Antônio Basílio, Jane Caroline.

Foto 2: Marta Araújo, Hercília Fernandes, Antônio Basílio, Margarida Neves.


Foto 3: Hercília Fernandes expondo o trabalho.

Foto 4: Banca Examinadora: Marta Araújo, Antônio Basílio e Margarida Neves.


Foto 5: Banca Examinadora emitindo o Parecer.

Foto 6: Auditório.


terça-feira, 14 de outubro de 2008

Convite para Defesa: CECÍLIA MEIRELES E A LÍRICA PEDAGÓGICA EM CRIANÇA MEU AMOR (1924)



O conjunto da vida e obra de Cecília Meireles (1901-1964) fora marcado pela presença de um rosto multifacetado: a poetisa e a pedagoga.

Na poesia e na prosa, Cecília impregnou as palavras com uma sensibilidade que lhe era própria; sendo, reconhecidamente, uma das maiores vozes lírica da língua portuguesa na contemporaneidade. Na educação, a pedagoga dedicou-se à práxis docente em escolas e universidades e à militância política na imprensa carioca.

Na Literatura Infantil, Cecília escrevera às crianças, pesquisara e instruíra os pais e educadores brasileiros; lançando-se, no gênero, na mesma época em que se dedica ao magistério primário com a obra em prosa-poética Criança meu amor (1924).

Cecília Meireles, ao longo da vida, escreveu para crianças, sendo responsável - conjuntamente com Vinícius de Morais – pela introdução do “paradigma estético” na Literatura Infantil brasileira com a publicação de Ou isto ou aquilo (1964). Ao longo dos anos, a difusão e circulação de sua obra no universo institucional vêm se intensificando, sendo amplamente utilizada pelos interlocutores educacionais em suas práticas cotidianas.

A sua produção literária infantil apresenta-se composta pela riqueza do imaginário criador da poetisa, expressando os estados emotivos e conceituais do eu-lírico, durante o instante criativo, e o seu universo temático: sonhos, devaneios, memórias da infância; evasão, desejo de liberdade e plenitude... compõem a voz lírica da poetisa modernista.

Porém, seus primeiros livros infantis, dentre os quais se inclui a obra Criança meu amor, expressam também a visão educacional da pedagoga, e estabelecem íntimas relações com os idealismos pedagógicos penetrados, desde o entre-séculos, no Brasil; e os ideais de uma elite intelectual de formar uma Nova Consciência Nacional a partir da transformação da criança na categoria “educando”, efetivada por meio dos cuidados e orientações da mulher-mãe-educadora.

Entretanto, devido os graus de “intencionalidades pedagógicas” e “funcionalidades sociais” imbuídos em suas escritas, a produção literária de Cecília Meireles para crianças compõem fases distintas de criação e dialogam com as tendências, os valores, as referências e as ideologias das primeiras décadas do século XX; integrando tanto o campo literário como o pedagógico, podendo ser definida, então, como “Lírica Pedagógica”.

Movida por essas inquietações, problemáticas e deduções, a pesquisa intitulada: “Cecília Meireles e a Lírica Pedagógica em ‘Criança meu amor’ (1924)”, no Mestrado em Educação, na linha de pesquisa Cultura e História da Educação (PPGEd/UFRN), se propõe a responder as questões:


  • Quais “intenções pedagógicas” Cecília Meireles apresenta em suas produções infantis iniciais, sobretudo em Criança meu amor (1924)?
  • Quais relações suas escritas tecem junto a um panorama político-ideológico, econômico e sócio-educacional brasileiro de transformações estruturais, consolidação de valores e reconstrução nacional?
  • Quais finalidades educativas a autora almejava concretizar por meio de “intervenções pedagógicas” dirigidas às crianças através dos livros infantis?


A Dissertação busca responder a essas questões a partir de uma análise de conteúdos, tendo como categorias específicas: criança – maternidade – escolarização. Por meio da investigação das categorias analíticas e da exploração de palavras-chave sinônimas e bipolares identificáveis nas escritas de Cecília Meireles; a pesquisa almeja compreender como Cecília articula, em sua “Ação Pedagógica Não-Formal na Literatura Infantil”, os saberes da ciência, da literatura e os valores cristãos, a fim de expandir o seu ideário sócio-educacional centrado na criança e guiado pela mão da mulher-mãe-professora.

Pelas razões expressas, a autora do estudo – Hercília Maria Fernandes - e o Professor-Orientador - Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes - convidam a todos os interessados na vasta obra da poetisa e educadora Cecília Meireles a participarem da solenidade de Defesa.

A Defesa do trabalho dissertativo dar-se-á nesta sexta-feira (17/10/08), às 15h00, na sala de Multimeios do NEPSA (UFRN/Natal-RN), cuja Banca Avaliadora será composta pelas professoras-examinadoras:


Profª Drª Margarida de Souza Neves (PUC – Rio)
Profª Drª Marta Maria de Araújo (UFRN)
Profª Drª Marlúcia Menezes de Paiva (UFRN).


Conforme Programação no Convite:


(Clique para ampliar a imagem)


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

PERDIDOS & ACHADOS: Liberdade, Evasão e Consciência na Virtualidade


“A Internet facilita a informação, minimiza fronteiras, permite a troca de experiências, saberes, poéticas”...

A frase acima, tanto quanto panfletária, parece estabelecer um consenso sobre o meio de comunicação virtual. Isso porque, grosso modo, a possibilidade de acesso, interação e aprendizado, sem dúvida, é uma das maiores conquistas da humanidade, na chamada Era Virtual, com a Rede Mundial de Comunicações.

Até bem pouco tempo, coisas que imaginávamos apenas através das páginas dos livros e sequer pensávamos possíveis de concretude, hoje são passíveis de realização: viajar além-mar, conhecer lugares e pessoas; interagir com diversas línguas e dialetos; obter informações e confrontar, sadia e sabiamente, diferentes pontos de vista... Enfim, ter e oferecer acessibilidade, partilhar e transitar entre linguagens e culturas.

Bem... eu poderia passar horas destacando as maravilhas da Rede, assim como apontar uma dúzia e meia de prejuízos... Porém, uma das coisas que acho incrível na Internet é a possibilidade de tornar o impossível crível; ou seja, a natureza lúdica que envolve a linguagem virtual, a produção, a circulação e aquisição de saberes.

Segundo Huizinga (2000)[1], o homem é um ser ludens. A linguagem, as artes, a poesia, os ensinamentos, os diversos produtos culturais criados, historicamente, pelos homens, bem como os diferentes papéis sociais, são jogos produzidos na cultura. Todavia, há jogos que arrebatam a alma, pois elevam a ludicidade contida na essência humana, envolvendo os sujeitos numa atmosfera de prazer, extravasamento e plenitude.

Por isso, o jogo, apesar de ser considerado uma “coisa não-séria”, é uma atividade encarada com muita seriedade pelo participante; tendo em vista que uma das características formais do jogo é exatamente a consciência. O jogador tem clareza que essa atividade se distingue das “coisas sérias” da vida “real”; muito embora, vivencie com “liberdade”, “seriedade” e “ordem” essas experiências.

Creio que os princípios apresentados por Huizinga no livro Homo Ludens (2000), são apropriados para refletir o fenômeno de sedução que paira na virtualidade; já que - na Internet - as imagens, metáforas, jogos lingüísticos, máscaras, personas, etc., contribuem para envolver o internauta num misto de magia, fantasia e encantamento, tal qual a sensação produzida no ser do leitor ao apreciar e buscar decifrar a linguagem poética.

Para Huizinga (2000), toda expressão abstrata se constitui uma metáfora que é, sobretudo, jogo de palavras. O Homem ao brincar com as palavras distingue, define, constata a natureza das coisas, elevando-as ao domínio do espírito que dá expressão à vida. E, “[...] ao dar expressão à vida, o homem cria um mundo poético, ao lado do da natureza” (HUIZINGA, 2000, p. 8).

A linguagem na Internet também se realiza por um sistema verbal e comporta jogos entre palavras, imagens, sentidos. Pode-se entender que ela seduz e remete o homem ao seu plano espiritual, agindo sob a esfera lúdica de sua constituição.

Particularmente, a linguagem virtual age em minha subjetividade como perdição e achado. "Perdição" porque me sinto atraída pelas palavras, cores, sons, imagens... em um ambiente de fartura estética, de liberdade, evasão e intersubjetividade. "Achado" porque, mesmo em meio a toda essa sedução, estou constantemente renascendo, ampliando conhecimentos e também abrindo portas para outrem. Estou consciente de que as sensações de prazer, extravasamento e reencontro com a minha “infância adormecida[2]” também repercutem simbolicamente sob a minha vida cotidiana, tornando-me um ser humano intelectual, moral e espiritualmente melhor. E isso se deve ao aprendizado onírico, simbólico, estético.

Ler um texto, realizar pesquisas, localizar lugares, interagir com pessoas, etc., tudo isso serve para ampliar a minha visão de mundo e também delimitar modos de ação. Muitas das coisas que consegui realizar ultimamente só foram plausíveis graças a existência da Internet; como, por exemplo, adquirir obras raras de Cecília Meireles no gênero Literatura Infantil.

A minha escrita também tem se aprimorado a partir da boa convivência com poetas, escritores e pesquisadores de vários recantos do Brasil e de Portugal e, com essa interação, o compartilhamento de textos e múltiplas linguagens. O recebimento de e-mails, comentários nos blogs, tópicos nas comunidades ou até mesmo de um scrap no Orkut também contribui para a minha contínua formação. E o melhor de tudo isso é que essa aprendizagem se reveste de um sentido especial, já que acontece em um ambiente de alegria, liberdade e beleza.

Creio que aquilo que estudamos com maior vontade e interesse opera maiores modificações em nosso ser; muitos filósofos acenaram para essa realidade. Por esse motivo, lamento profundamente que alguns internautas usem o meio para prejudicar outros, e, com isso, minimizem as próprias oportunidades de crescimento. A linguagem na virtualidade, para mim, significa ampliação da competência imaginativa; e, a imaginação significa a faculdade de prever possibilidades.

Quando estou realizando uma atividade na Internet, seja pesquisando, escrevendo, comentando textos ou contemplando alguma paisagem difusa de algum artista “rubro”, sinto-me “perdida-mente-achada” nas linhas. Por essa razão, há algum tempo atrás, compus um poema que trata desse fenômeno; e, como palavras finais, deixo essa reflexão a todos os leitores do Novidades & Velharias e, também, do HF diante do espelho:


Perdidos e Achados[3]


Busco me achar
Nas imagens deformadas.
Busco me perder
Nas tuas veredas perfeitas.


Busco apenas enxergar
A tua face morta na margem.
Posto, sei, é muito tarde
Para qualquer enquadro na trave.


Busco viajar
Entre esferas e esquadros.
Busco suprimir
O que há em nós de extrato.


Busco entrever
Qualquer possibilidade de diálogo.
Busco renascer
Em meio aos perdidos e achados.


Busco qualquer discurso
Seja: quimérico, ilusório, abstrato.


Busco um pôr-do-sol
Que aja em nós
Como punhada de anzol.


Busco trafegar
Entre colunas além-mar.
Busco contemplar
A luz que faz questão de se esconder.


Busco vivificar
Um poema fácil de se ler.

Busco reconhecer
Um idioma para me atar.


Busco uma racionalidade
Fácil de sistematizar.
Busco uma animalidade
Difícil de se desenhar.


Busco um país
Que me pareça sólido, ora triz
Busco um neo-idílico feliz
Com a quimera, as trevas
E a luz néon de um antigo Paris.


Busco simplesmente...
O essencial em Portugal
Compreender o porquê
De nascermos simplesmente
Tão animal e tão desigual
E entender por quê:
- O Bem, às vezes, reveste-se de Mal.


Notas


[1] HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Perspectiva: São Paulo, 2000.

[2] Expressão tomada emprestada de Bachelard (1978, 1988) para se referir à experiência estética. Ver: BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. Trad. Antonio de Párdua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988. E, BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Vale Santos Leal. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1978, p. 181-354.

[3] FERNANDES, Hercília. Perdidos e achados. In: ______. Agá-Efe: entre ruínas & quimeras. Natal-RN: Natal Gráfica, 2006, p. 70.


Ilustrações: Marc Chagall.