quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Outras Vozes: contribuições da blogosfera


O Novidades & Velharias, buscando favorecer a troca de saberes, experiências e poéticas, lança um novo quadro de postagens através da publicação de escritas fornecidas por autores / leitores que acompanham o blog regularmente.
O quadro, intitulado “Outras Vozes: contribuições da Blogosfera[1]”, traz como matéria de abertura um artigo da professora e poetisa Taninha Nascimento, postado em seu espaço virtual No rastro da poesia, que disserta, poética e filosoficamente, sobre a dialética “Silêncio e Voz”.
Além de expor suas impressões e idéias acerca da comunicação na atualidade, a autora contextualiza a sua comovente fala, realizando uma espécie de intersubjetividade poética e/ou intertextualidade com o poema "Eppur si muove" de Affonso Romano de Santana. Passemos para a prosa subjetiva da Taninha Nascimento:
Por Taninha Nascimento

Silêncio e voz são temas recorrentes em canções, poesias e prosas. Na arte e na vida experimentamos vivê-los. Entretanto, nem sempre paramos e refletimos sobre as circunstâncias que os envolvem, sobretudo nas crises. Silenciamos ou, usamos o verbo, sem medirmos ou nos darmos conta das conseqüências deste ou daquele - tanto para a nossa própria história, quanto para a história dos que nos cercam e até da Humanidade.
Quem apaga uma palavra dita? Quem revive o momento para dizer o que não foi dito? Silêncio e voz parecem viver em eterno conflito quando ambos, na verdade, são meios poderosos de comunicação.
O silêncio é - sempre - mais perturbador, claro. No silêncio mora a dúvida, a incerteza. Aquilo "que se pensa e não é dito"... Contudo, quem garante a veracidade das palavras faladas, ou ainda, escritas?
Pois é... Na comunicação perpassam sons, silêncios, palavras, símbolos, gestos... O nosso próprio corpo, que fala.
Na história da humanidade, tudo gira em torno da comunicação.
A comunicação, pra mim, é sinônimo de relacionamento. No sentido mais abrangente que possa haver na palavra.
Alguém se relaciona sem se comunicar? Sim, os tiranos... Somente na tirania há este tipo de "relação". Mas, ainda assim, em resposta, há toda uma expressão que se manifesta na "voz" daquele que a ela está submetido - ainda que se cale.
Triste é uma existência onde não houve – jamais – comunicação. Algo que me parece, inclusive, impossível.
Tudo o que eu disse é tão óbvio... (Risos...). Mas será tão fácil? Não... Não me parece fácil quando penso que, para haver comunicação, é preciso haver sensibilidade. Para haver comunicação, é preciso "ouvir". Saber "ouvir" é fácil? Não! Claro que não é... Saber ouvir é analisar. Analisar demanda tempo e dedicação. Simplificando: atenção.
Atualmente, difícil se ter a atenção de alguém... Difícil se dar atenção a alguém...
Quando penso que, nem sempre, comunicação significa verdade e justiça. E, quando penso que na comunicação precisa haver, ainda, humildade e compaixão... Sim, compaixão: "Se colocar no lugar de"...
Nossa...Que difícil...
Sim. Definitivamente, a comunicação, é o que há de mais complicado nas relações humanas. Onde pode haver progresso ou estagnação; vida ou morte. Ou ainda, morte em vida.
A verdade é que a "voz humana", seja ela escrita, falada, cantada, pintada, esculpida ou ainda silenciada ecoará sempre nos "ouvidos" sensíveis a ela. Estes, a "ouvirão" e a perpetuarão.
A Arte e a História comprovam.
Nesta mesma linha de pensamento, me remeto a um poema, ou prosa poética, que recebi e que me encantou esta semana:


Eppur si Muove[2]

Não se pode calar um homem.
Tirem-lhe a voz, restará o nome.
Tirem-lhe o nome
e em nossa boca restará
a sua antiga fome.

Matar, sim, se pode.
Se pode matar um homem.
Mas sua voz, como os peixes,
nada contra a corrente
a procriar verdades novas
na direção contrária à foz.

Mente quem fala que quem cala consente.
Quem cala, às vezes, re-sente.
Por trás dos muros dos dentes,
edifica-se um discurso transparente.

Um homem não se cala
com um tiro ou mordaça.
A ameaça
só faz falar nele
o que nele está latente.

Ninguém cala ninguém,
pois existe o inconsciente.
Só se deixa enganar assim
quem age medievalmente.
Como se faz para calar o vento
quando ele sopra
com a força do pensamento?

Não se pode cassar a palavra a um homem,
como se caçam às feras o pêlo e o chifre
na emboscada das savanas.

Não se pode, como a um pássaro,
aprisionar a voz humana
A gaiola só é prisão
para quem não entende
a liberdade do não.

Se a palavra é uma chave,
que fala de prisão, o silêncio
é uma ave- que canta na escuridão.

A ausência da voz
é, mesmo assim, um discurso.
É um rio vazio, cujas margens sem água
dão notícia de seu curso.

No princípio era o Verbo-
bem se pode interpretar:
no princípio era o Verbo
e o Verbo do silêncio
só fazia verberar.

Na verdade, na verdade vos digo:
mais perturbador que a fala do sábio
é seu sábio silêncio,
con-sentido.

O que fazer de um discurso interrompido?
Hibernou? Secou na boca, contido?
Ah, o silêncio é um discurso invertido,
modo de falar alto- o proibido.

O silêncio
depois da fala
não é mais inteiro.
Passa a ter duplo sentido.
É como o fruto proibido, comido
não pela boca,
mas pela fome do ouvido.

Se um silêncio é demais,
quando é de dois, geminado,
mais que silêncio- é perigo,
é uma forma de ruído.

Por isso que o silêncio
da consciência,
quando passa a ser ouvido
não é silêncio-
É estampido.

Notas:


[1] Os interessados em contribuir com o quadro "Outras Vozes" poderão entrar em contato com Hercília Fernandes através do e-mail: fernandeshercilia@yahoo.com.br (Nota da editora).
[2] Eppur si muove: Texto de Affonso Romano de Santana para Leonardo e Clodovis Boff. "Ainda assim, ela se move" - Frase dita por Galileu, após abjurar (diante da Inquisição) que o planeta Terra girava em torno do sol (Nota da autora).

Breve Biografia:


Taninha Nascimento é professora efetiva no quadro funcional da Secretaria Municipal de Educação do RJ. Possui Bacharelado em Letras-Português/Literatura e, atualmente, atua como Coordenadora Pedagógica. E-mail da autora: taninha_anjinha@hotmail.com

3 comentários:

  1. Olá, Hercília!

    É um prazer e uma honra inaugurar o espaço "Outras Vozes: contribuições da blogosfera".

    Parabéns pela iniciativa!!

    Este seu blog é uma pérola nesse mar de estrelas que é a internet, onde você - sem dúvida alguma - brilha.

    Grande beijo e abraço da amiga,
    Taninha.

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  2. Taninha,

    eu quem devo agradecer-lhe pela autorização da publicação de seu texto.

    Você desenvolve com sensibilidade poética e adoção de uma linguagem cativante um tema bastante pertinente para compreensão de nossa subjetividade e as relações sócio-humanas na atualidade.

    Tenho refletido que, no silêncio, há talvez até mais coisas do que nas palavras proferidas pela voz humana.

    Diz Bachelard que o "Nada" não equivale a "Vazio". Assim, penso o silêncio como um espaço de coisas não-ditas e interditos existentes no colchão do fabulário humano. Isso significa que silêncio não é ausência de sentidos, mas falta de sons não perceptíveis ao ouvido, já que há barulho [e muito!] no silêncio...

    Aplausos para a sua sensibilidade aguçada e realização da intertextualidade com o poema "Eppur si muove". Amei os versos do poeta!

    Abraço caloroso,

    Hercília Fernandes.

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  3. Amigos,

    faço questão de deixar registrado que a construção "há barulho e muito no silêncio" é do poeta Marcelo Novaes em referência a um dos meus poemas postados lá no blog HF diante do espelho.

    Abraços,

    H.F.

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