
1 Introdução
O cavalinho branco é um dos poemas que compõe a obra infantil da poetisa e educadora Cecília Meireles (1901-1964): “Ou isto ou aquilo” (1964). Obra poética que constitui, hoje, um dos clássicos da literatura infantil brasileira dada a sua grande difusão e aceitação junto ao leitor-criança e por demarcar um novo período de produção literária, no Brasil, cuja qualidade estética se evidencia acima das intencionalidades pedagógicas, do moralismo cívico e do utilitarismo escolar.
A obra vem composta por 56 poemas, sendo todos acompanhados por belíssimas ilustrações. Os poemas retratam coisas, significados, passagens e paisagens da infância e se destacam pela simplicidade da linguagem e pelo aspecto estético. Pelas sutis associações simbólicas das coisas às palavras, os conceitos, a variação de sentidos, os ritmos e as sonoridades.
O caráter lúdico se evidencia presente na maioria dos poemas de Ou isto ou aquilo, destacando-se propriamente a beleza estética, necessária e intrínseca a uma boa obra literária. Talvez, por essa razão, Ou isto ou aquilo se constitua um clássico da literatura infantil, compondo
[...] uma espécie de divisor de águas entre dois períodos de produção poética para a criança no Brasil, inaugurando um novo modo de criação que privilegia o olhar e os sentimentos da criança, ao deixar para trás um feitio didático e doutrinário, predominante na produção anterior (MELLO, 2001, p. 190).
2 O cavalinho branco: imaginação e ludismo
Em O cavalinho branco (MEIRELES, 2002, p. 16), Cecília Meireles experimenta e expressa um sentimento temporal de liberdade, evasão e plenitude, apresentando um autoconhecimento acerca do fenômeno criador:
À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:
mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.
O cavalo sacode a crina
loura e comprida
e nas verdes ervas atira
sua branca vida.
Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos
a alegria de sentir livres
seus movimentos.
Trabalhou todo o dia tanto!
desde a madrugada!
Descansa entre as flores,
cavalinho branco
de crina dourada!
O cavalinho branco, imagem personificada como a própria “imaginação” ou “fantasia”, permite à autora viajar em um mundo encantado, onde as coisas podem ser vivenciadas em liberdade, sem as restrições e coerções da vida moderna que submete o indivíduo ao anonimato e à exaustão de atividades corriqueiras. É o momento de encontro com o eu imaginário, com o eu lúdico, por isso mesmo constitui-se um “feriado”, “um repouso do ser” (BACHELARD, 1988).
Um extravasamento do indivíduo comum onde operam os fundamentos de liberdade, tensão, espaço, ordem, duração e consciência, dentro dos princípios a que Huizinga (2000) atribui enquanto características primárias contidas na beleza poética, concomitante ao sentido de existência dado pelo homo ludens ao jogo.
No poema, a autora, experimentando as sensações de extravasamento e plenitude, convida o leitor a penetrar nesse mundo encantado, a adentrar no universo da imaginação, a realizar uma experiência com os sentidos e a eles atribuir novos significados, pois em seu percurso O cavalinho branco ganha autonomia, passa a ter vida própria, e essa expressividade ensina: “Seu relincho estremece as raízes e ele ensina aos ventos a alegria de sentir livres seus movimentos” (MEIRELES, 2002, p. 16).
Além do sentimento de evasão e plenitude acentuado pelo lirismo que atribui ao poema ritmo, sonoridade e harmonia, verifica-se que a poeta intensifica o caráter lúdico através da repetição de fonemas e pela fusão de consoantes, que causam movimento aos versos, e do uso de sons produzidos pelas construções com as letras (m) e (n), levando a criança a observar o uso desses sons e letras e, com isso, realizar outras possibilidades sígnicas[2].
3 Referências bibliográficas
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Perspectiva: São Paulo, 2000.
[1] Análise pertinente ao trabalho monográfico: A lírica pedagógica de Cecília Meireles em “Ou isto ou aquilo” (1964): instrução e divertimento - defendido no Curso de Especialização
[2] Em O cavalinho branco destaca-se a presença da aliteração. A aliteração é uma figura de linguagem sonora onde se destaca a repetição de sons consonantais. No poema, verifica-se a repetição dos seguintes encontros: (br), (cr), (gr), (pr) (tr), (vr), que causam movimento e sonoridade aos versos, provocando uma sensação de riso.
Maravilhoso!!!! Cecília, era uma fada e tinha na varinha de condão palavras mágicas. Este poema, li-o ha algum tempo, mas já adulta, e desde então todos os dias encontro um espaço, um cantinho, para o "meu feriado". Iso é LINDO! HUMANO!, como será visto por uma criança?
ResponderExcluirMaravilhoso enfoque, e você sabe como me emocioan a leitura que no final, é o que forma a sensibilidade da criança! Obrigada Hercília por compartilhar comigo!
Beijos
Mirze
Lindo, sensivel, Cecilia Meireles é muito delicada...seus versos são leves, proprio para a criança...
ResponderExcluirótima análise Hercília...
Gostei de ler sobre Cecília....obrigada pelo carinho
Rô
Obrigada, amigas, pela leitura e comentários.
ResponderExcluir"Ou isto ou aquilo" é realmente uma obra prima de Cecília Meireles dedicada às crianças. E "O Cavalinho Branco" é uma das jóias raras deste clássico da literatura infantil brasileira.
Beijos,
H.F.
Oi, Hercília!
ResponderExcluirEnquanto lia a sua análise literária sobre este poema - tão lindo - de Cecília Meireles, me remeti ao cotidiano escolar.
Cecília Meireles, plantou uma semente... E, a Educação agradece.
Não há porque a criança apreender os conceitos - passados pela instituição ESCOLA - dissociados de sua infância; descontextualizados e sem vida.
Parabéns, amiga.
Sem dúvida alguma, desenvolver a sensibilidade é desenvolver a inteligência e, a poesia, pode fazer muito quando - verdadeiramente - é utilizada em sala de aula por profissionais que trazem em si uma profunda mudança de concepção sobre a sua prática pedagógica.
Beijos,
Taninha
Olá HF,
ResponderExcluirque lindo este poema de Cecília Meireles: leve, onírico, pura expressão de liberdade!
Você soube conduzir alguns aspectos da análise muito bem, conferindo a interpretação uma leveza que combina à natureza lúdica do poema. Parabéns!
Concordo plenamente com tudo o que foi dito acima. E acrescento! A educação precisa acordar para a sensibilidade e criatividade da criança, para que essas faculdades não sejam perdidas.
Parabéns por sua causa em prol da educação, cultura e, sobretudo, da poesia. Nossas escolas precisam de pessoas sensíveis e poeticamente evoluídas.
Quem sabe um dia não teremos um modelo de educação que priorize a sensibilidade e as múltiplas linguagens? Sejamos otimistas!...
Abraços amiga.
Maria Clara.
Olá Hercília,
ResponderExcluirAdorei seu blog.. Já está entre meus favoritos e indiquei aos meus professores.
Abraços
Beatriz
CARTAS AO AVESSO
http://beatrizlv.zip.net
Olá amigas [Mirze, Rô, Taninha, Maria Clara e Beatriz]
ResponderExcluirsejam sempre bem vindas ao blog das Novidades & Velharias.
Obrigada pelos comentários, sempre valorosos sobre poesia e educação.
Abraços amigas.
Hercília Fernandes.
Olá teacher, realmente voce é muito dedicada nas suas pesquisas, espero que consiga dar o melhor de si pra gente. Beijos........
ResponderExcluirA leitura do livro "O Isto ou Aquilo", de Cecília Meireles, é muito prazerosa. Acredito que este sentimento é deliberadamente provocado pela construção poética da obra (a autora planejou isto), pois ela nos incita a ler junto e em voz alta, fazendo participar quem está à nossa volta.
ResponderExcluirHercília, adorei saber que você gosta tanto assim de Cecília e que trabalha com os seus alunos esta linda poeta.
Beijos,
Hosamis.
Oh gente, esse cavalo morre de exaustão ao final da vida.
ResponderExcluirVeja, os encontros cr br tr pr soam como um trote permanente!