sábado, 31 de maio de 2008

Imaginação e ludismo em O cavalinho branco



Imaginação e ludismo em “O cavalinho branco[1]


1 Introdução


O cavalinho branco é um dos poemas que compõe a obra infantil da poetisa e educadora Cecília Meireles (1901-1964): “Ou isto ou aquilo” (1964). Obra poética que constitui, hoje, um dos clássicos da literatura infantil brasileira dada a sua grande difusão e aceitação junto ao leitor-criança e por demarcar um novo período de produção literária, no Brasil, cuja qualidade estética se evidencia acima das intencionalidades pedagógicas, do moralismo cívico e do utilitarismo escolar.

A obra vem composta por 56 poemas, sendo todos acompanhados por belíssimas ilustrações. Os poemas retratam coisas, significados, passagens e paisagens da infância e se destacam pela simplicidade da linguagem e pelo aspecto estético. Pelas sutis associações simbólicas das coisas às palavras, os conceitos, a variação de sentidos, os ritmos e as sonoridades.

O caráter lúdico se evidencia presente na maioria dos poemas de Ou isto ou aquilo, destacando-se propriamente a beleza estética, necessária e intrínseca a uma boa obra literária. Talvez, por essa razão, Ou isto ou aquilo se constitua um clássico da literatura infantil, compondo


[...] uma espécie de divisor de águas entre dois períodos de produção poética para a criança no Brasil, inaugurando um novo modo de criação que privilegia o olhar e os sentimentos da criança, ao deixar para trás um feitio didático e doutrinário, predominante na produção anterior (MELLO, 2001, p. 190).



2 O cavalinho branco: imaginação e ludismo


Em O cavalinho branco (MEIRELES, 2002, p. 16), Cecília Meireles experimenta e expressa um sentimento temporal de liberdade, evasão e plenitude, apresentando um autoconhecimento acerca do fenômeno criador:


À tarde, o cavalinho branco

está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo

onde é sempre feriado.


O cavalo sacode a crina

loura e comprida

e nas verdes ervas atira

sua branca vida.


Seu relincho estremece as raízes

e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres

seus movimentos.


Trabalhou todo o dia tanto!

desde a madrugada!


Descansa entre as flores,

cavalinho branco

de crina dourada!


O cavalinho branco, imagem personificada como a própria “imaginação” ou “fantasia”, permite à autora viajar em um mundo encantado, onde as coisas podem ser vivenciadas em liberdade, sem as restrições e coerções da vida moderna que submete o indivíduo ao anonimato e à exaustão de atividades corriqueiras. É o momento de encontro com o eu imaginário, com o eu lúdico, por isso mesmo constitui-se um “feriado”, “um repouso do ser” (BACHELARD, 1988).

Um extravasamento do indivíduo comum onde operam os fundamentos de liberdade, tensão, espaço, ordem, duração e consciência, dentro dos princípios a que Huizinga (2000) atribui enquanto características primárias contidas na beleza poética, concomitante ao sentido de existência dado pelo homo ludens ao jogo.

No poema, a autora, experimentando as sensações de extravasamento e plenitude, convida o leitor a penetrar nesse mundo encantado, a adentrar no universo da imaginação, a realizar uma experiência com os sentidos e a eles atribuir novos significados, pois em seu percurso O cavalinho branco ganha autonomia, passa a ter vida própria, e essa expressividade ensina: “Seu relincho estremece as raízes e ele ensina aos ventos a alegria de sentir livres seus movimentos” (MEIRELES, 2002, p. 16).

Além do sentimento de evasão e plenitude acentuado pelo lirismo que atribui ao poema ritmo, sonoridade e harmonia, verifica-se que a poeta intensifica o caráter lúdico através da repetição de fonemas e pela fusão de consoantes, que causam movimento aos versos, e do uso de sons produzidos pelas construções com as letras (m) e (n), levando a criança a observar o uso desses sons e letras e, com isso, realizar outras possibilidades sígnicas[2].


3 Referências bibliográficas


BACHELARD. A poética do devaneio. Trad. Antonio de Párdua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Perspectiva: São Paulo, 2000.

FERNANDES, Hercília M. A lírica pedagógica de Cecília Meireles em “Ou isto ou aquilo” (1964): instrução e divertimento. UFRN, 2006, pp. 39-47. (Curso de especialização em Educação Infantil). Síntese de artigo científico disponível em: http://artigos.com/artigos/educacao/a-lirica-pedagogica-de-cecilia-meireles-em-%93ou-isto-ou-aquilo%94-(1964):-instrucao-e-divertimento-2056/artigo/.

MELLO, Ana Maria Lisboa. Ou isto ou aquilo: um clássico da poesia infantil brasileira. In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Puc-Rio & Loyola, 2001.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Ilust. Thais Linhares. 6 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.


4 Notas


[1] Análise pertinente ao trabalho monográfico: A lírica pedagógica de Cecília Meireles em “Ou isto ou aquilo” (1964): instrução e divertimento - defendido no Curso de Especialização em Educação Infantil da UFRN/CERES/Caicó-RN.

[2] Em O cavalinho branco destaca-se a presença da aliteração. A aliteração é uma figura de linguagem sonora onde se destaca a repetição de sons consonantais. No poema, verifica-se a repetição dos seguintes encontros: (br), (cr), (gr), (pr) (tr), (vr), que causam movimento e sonoridade aos versos, provocando uma sensação de riso.