terça-feira, 17 de junho de 2008

A LITERATURA INFANTIL ATRAVÉS DOS TEMPOS (Parte I)



A Literatura Infantil, como produto histórico humano, resulta das relações subjetivas e objetivas que o homem estabelece com o seu meio social, cultural, intelectual, lingüístico, político e econômico. Com as concepções que o artista compartilha acerca do mundo / homem / sociedade, com os ideais e valores que se consideram úteis e desejáveis para transmitir às crianças e aos jovens. Por isso, a produção literária infantil é resultante, também, dos aspectos filosóficos – políticos - educacionais e da qualidade da educação ofertada numa dada época e contexto sócio-histórico.
Nesse sentido, o estudo A literatura infantil através dos tempos, dividido aqui em seis partes, realiza um percurso histórico à Literatura Infantil - da gênese aos dias atuais - numa abordagem histórico-cultural; pontuando fatos, valores, paradigmas, intencionalidades pedagógicas, funcionalidades sociais, autores e obras.
Para tal feito, o trabalho contempla as frentes de leitura: origem e evolução histórica da Literatura Infantil a partir dos estudos oferecidos pela crítica e historiadora Nelly Novaes Coelho (1983, 1991, 2003) e demais estudiosos como Magnani (1989) e Regina Zilberman (2003); fundamentos filosófico-educacionais na literatura infantil tendo como base as pesquisas feitas por Ariès (1978), Alessandra Arce (2002) e Carlota Boto (2002); e valores ideológicos na literatura infantil a partir da parceria com a pedagogia, considerando as mudanças de paradigmas provocadas pelas conquistas da ciência, dentre eles o discurso médico-higienista sob a educação e, conseqüentemente, sob a produção literária infantil (COELHO 1991; GONDRA 2002, 2004). A partir da adoção dessas categorias analíticas busca-se focalizar a Literatura Infantil como expressão artística e sócio-histórica, portanto um fenômeno contínuo humano, ou melhor, atividade inacabável:
– “Era uma vez”...


1 QUANDO TUDO COMEÇOU... GÊNESE DA LITERATURA INFANTIL[1]

1.1 A Literatura Primordial

A história da Literatura Infantil integra o percurso histórico da Literatura Geral, já que as primeiras narrativas eram contadas, indiscriminavelmente, para “adultos” e “crianças”. A chamada literatura clássica - as novelísticas medievais, antecedentes da Literatura Infantil -, é de origem indo-européia, de fontes orais vindas da Índia que se estenderam pela Europa.
Consiste em uma “Literatura Primordial” oriunda do Oriente, da chamada Literatura Popular, ligada a eventos espirituais, míticos e fantasiosos que perduram na memória do povo; talvez porque: “O impulso de contar estórias deve ter nascido no homem no momento em que ele sentiu a necessidade de comunicar aos outros certa experiência sua, que poderia ter significação para outros (COELHO, 1991, p. 13)[2].
Dessa literatura primordial surgem as narrativas medievais arcaicas que se estendem pela Europa e América, se transformando em Literatura Folclórica e Infantil. A Literatura de Cordel, pertinente ao folclore nordestino brasileiro, consiste em versões dessas narrativas. Já a literatura Infantil tem origem nos registros feitos por escritores cultos, dentre eles Perrault e os Irmãos Grimm.
Os principais valores ideológicos dessas primeiras narrativas eram: hierarquia social mediante “a lei do mais forte”; reprodução, conservação do passado, e, transmissão de ensinamentos edificantes (Hitopadesa - modelos de moral voltados ao respeito ao próximo e a constituição da aristocracia primitiva).
Algumas narrativas: Calila e Dima (Índia, Séc. V a.C); Sendebar (Índia, s/d); Barlaam e Josafart (novelística mística/versão grega, Séc. VIII); As mil e uma noites (Contos orientais/versão européia datada do Séc. XV ou XVI).


1.2 A Era das “sombras”... A Literatura Medieval

A literatura medieval fora marcada por contradições, já que, no período que compreende a Idade Média (Séc. V ao XV), se evidenciam traços antagônicos de violência, lutas pela hegemonia do poder, conquistas e dominações entre povos, cristianismo, luxúria e moral ascética. No entanto, fora responsável, mesmo que lentamente, por preparar terreno à Idade Moderna, assim diz Coelho (1991, pp. 32-33):

Nesses dez séculos medievais realiza-se o longo e complexo processo histórico-cultural que prepara a Idade Moderna, durante o qual [...] se foram fundindo (aquecidos pelo fogo espiritual cristão): a vitalidade rude, a violência instintiva e o sangue novo-primitivo dos bárbaros com os valores civilizadores da Antigüidade Clássica grego-romana [...] que haviam permanecido nos conventos, sob a guarda dos primitivos monges padres da Igreja.

A Literatura medieval surge na Europa por meio de duas fontes: a Popular – prosa “exemplar” vinda do Oriente -; e, a Culta – prosas aventurescas das novelas de cavalaria. Na Literatura Popular destaca-se o idealismo e a visão de um mundo de magias e maravilhas. Na Culta, os problemas da vida cotidiana, os valores ético-sociais e as lições advindas da sabedoria prática.
Características das narrativas: Os contos de fadas destacam-se pelo “simbolismo” e retratam as violências às crianças e às mulheres, os assassinatos e as práticas de canibalismo; a fome e a miséria que levam os pais a abandonarem os filhos na floresta, e os homens a matarem as esposas para se casar com as filhas (WALKENAER, apud COELHO, 1991, pp. 33-34).
Algumas narrativas desse período: Os Isopets – O Romance da Raposa (fábulas baseadas nas traduções de Fedro acerca de Esopo e se expande na Europa no Séc. X); Disciplinas Clericalis (Pedro Alfonso) contêm conselhos morais de um pai ao filho, reforçando provérbios e sentenças; O livro de exemplos (Clemente Sanchez, séc. XIV), coleção de mais de trezentos contos de caráter moralizante, sentencioso e doutrinário, usado por pregadores cristãos; O livro de Esopo (circulou na Europa, em manuscrito, por volta do Séc. XV). A versão portuguesa apresenta um Esopo cristianizado e moralizante.
As Novelas de Cavalaria, criadas da forma Culta, em versos no Ocidente, dão origens aos contos populares, sobretudo no Nordeste brasileiro, e tratam dos grandes feitos heróicos. O Decameron (Boccaccio), prosa ficcional, realista e bem humorada, limita o fim da Idade Média e início do Renascimento. Em O Decameron encontram-se os valores contraditórios de uma época: amor cortês; luxúria; asceticismo religioso; valorização ao cristianismo; desonestidades e falsidades; astúcias e luxúria da mulher.



Notas:

[1] Trabalho apresentado pela professora Doutoranda, Mestra em Educação e Especialista em Educação Infantil, Hercília Maria Fernandes à Banca de Professores Examinadores no Concurso para Professor Substituto (2008.1), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 29 de Janeiro de 2008, durante o processo seletivo para concorrer a cadeira de professor da disciplina Literatura Infantil no curso de Pedagogia/UFRN/CERES/Campus de Caicó-RN.
[2] Todas as referências bibliográficas, citadas no curso das seis partes que integram este estudo, encontram-se presentes no término de: "A Literatura Infantil na Atualidade (Parte VI)". Disponível em: http://novidadesevelharias-fernandeshercilia.blogspot.com/2008/06/literatura-infantil-atravs-dos-tempos.html



7 comentários:

  1. Uma verdadeira aula! Sempre achei que os contos infantis eram mórbidos demais.Agora entendi o porque, assim como considerava as fábulas de Esopo o máximo, embora raras, mas vi que a moralidade entrou, talvez mais do que devia. Bárbaro, Hercília!!!!
    PARABÉNS!
    Beijos
    Mirze

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  2. Oi Hercília !!
    Mas que presente aos leitores estes seis capítulos sobre a História da Literatura Infantil !!
    Adorei. Por acaso você não teria aí esse pacote em pdf ou word pra me mandar por email ? Algumas das figuras incluídas no texto não abriram aqui em meu browser.
    Beijo,
    Chico (gryllus57@gmail.com)

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  3. Olá amigos.

    Agradeço as visitas, comentários e incentivos.

    Mirze, a literatura infantil até hoje, podemos assim dizer, é resultante dessa fórmula: "utile et dulce". Ou seja, "edificar valores mediante adornos amenos".
    Os contos de fadas e as fábulas inicialmente não foram escritos para crianças, com o decorrer dos anos foram ganhando novos sentidos para os simbolismos e tornando-se mais adequados ao leitor-criança...

    Prof. Assis será um prazer encaminhar-lhe o estudo. Agradeço o interesse pela leitura e visita.

    Abraços amigos,
    Hercília Fernandes.

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  4. Super interessante Hercília!Um estudo muito bem feito!! Parabéns.

    PAssei para avisar que meu blog está de endereço novo :

    http://cartasaoavesso.blogspot.com
    Beatriz - Cartas ao Avesso

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  5. Aqui nasceu o Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...

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  6. Olá!
    Prof.a Hercília Fernandes

    Obrigada pela aula.
    Sou sua eterna aluna.

    Paz e luz

    Rita de Cássia Sakano
    Japão

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  7. gostaria muito de ler o trabalho seu na integra muito bom se possivel queria que me enviasse por mail tbm amei parabens pelo trabalho bjus

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