domingo, 23 de agosto de 2009

A simplicidade "enganadora" na poesia de Adriana Karnal


A poetisa Adriana Karnal realizou a sua estréia poética no “Maria Clara: simplesmente poesia”, nesta última quinta-feira, 20 de agosto de 2009. Em sua postagem de estréia, Adriana apresenta um “mini-conto” que narra belas paisagens humano-oníricas, materializadas em uma linguagem lírica e musical.

Adriana Karnal, - cujo sobrenome não é meramente artístico, consiste herança familiar - reside na cidade de São Leopoldo-RS. É professora universitária com mestrado em Linguística Aplicada e Especialização em Língua Inglesa. Autora de livros didáticos com publicações no mercado editorial e tradutora nas “horas vagas”, como costuma poetizar. Na Web, a poetisa expande a sua voz poética no espaço que leva o seu nome: Adriana Karnal-Poemas e participa do blog coletivo de literatura Manufatura, projeto coordenado por Larissa Marques.

A voz de Adriana Karnal se expande por meio de uma simplicidade encantadoramente “enganadora”. Sua poesia não se materializa a partir de rebuscamentos de linguagem ou uso exagerado de neologismos. A simplicidade na linguagem, no entanto, revela uma enorme sensibilidade expressiva.

Suas escritas demonstram cuidado na escolha e trato com as palavras, e apontam para a intensidade emotivo-conceitual da autora que, através da sugestão de signos, desvia o curso usual das palavras para compor novos arvoredos e paisagens poéticas. Tais considerações podem ser vislumbradas em o poema Sem pé nem cabeça, onde as palavras se transfiguram, sugerem combinações e sentidos para alcançar o clímax da expressividade:


Um quarto, deitado...

tem poesia.

O colchão, não.

A terra da geada fresca,

a chuva que cai, a noite, o luar.

Até o arado tem poesia,

mas, a vaca... não.

O mar, imensidão,

a pele, textura fina.

A piscina?

Eu me pergunto:

Em que pé dá poesia?

(in: Adriana Karnal-Poemas)


Seus poemas - em geral escritos em versos breves, livres, musicais -, costumam exercitar, além da função puramente estética, a função metalinguística da linguagem. Propondo questionamentos e explicitações reflexivo-conceituais acerca do fenômeno criador, da poesia, da atividade do poeta, do poema...

Assim, além da riqueza expressiva na voz de Adriana Karnal, convém destacar a sinceridade com que a autora externaliza a sua visão de mundo e sentimentos experimentados durante o voo poético; que expõem, a alma nua, as percepções e convicções mais íntimas.

Isso tudo em meio a figuras de linguagem, de pensamento e sonoridade, donde se destaca o manuseio equilibrado de aliterações que atribuem movimento e ludicidade aos versos; de assonâncias que conferem harmonia e musicalidade; de sinestesias que produzem efeitos e sensações corpóreas no ser do leitor; e antíteses que aproximam sentidos denotativamente opostos - dentre outras figuras não menos expressivas.

Passemos para mais três poemas de Adriana Karnal, onde a poetisa transporta o leitor a um universo puramente lírico através de um dizer metalinguístico:



Quisera eu ser poeta


indecente

Pura pretensão.

Poeta é Adélia, Líria, Clarice.

Poucas verdadeiras o são.


Poeta tem língua incandescente

dente amarelado do palavreado

do palavrão

e palavrinha...

Desmedida na linguagem.

(Poeta sabe falar sacanagem)


Escrita com tinteira

elegante

Quisera eu ser poeta

e ter meu livro na estante


by Adriana Karnal



Sobre o frio


O fio da faca

e todo o frio que faça

não me desatinam.

Tenho a chama dos loucos e a

brasa sob os pés.

Tu não me descansas.

Insisto em ser solarínea.


by Adriana Karnal



Meio poema


Entre meus riscos

e rabiscos

A caligrafia e

a garatuja

Há o dilema da poeta:

A folha em branco.

Vestida de noiva pronta

para casar-se com as

palavras.


by Adriana Karnal



Notas:


*Este artigo fora construído mediante leituras, então realizadas, acerca de lirismo e aspectos intrínsecos à linguagem poética; donde se destacam, implicitamente, conceitos apresentados pelo analista Massaud Moisés e a crítica Nelly Novaes Coelho.

**Me custa [muitíssimo] escrever mediante as novas regras propostas no Acordo Ortográfico, por isso mantenho a grafia, ainda em uso corrente, de algumas palavras.

***Imagem: Clio, Euterpe e Tália. Pintura de Eustache le Seur, 1652-1655, Paris, Museu do Louvre.


17 comentários:

  1. Oi Hercília, excelente o seu texto argumentativo sobre o estilo de escrita da Adriana. Você ecreve com uma desenvoltura e lucidez crítica impressionantes. Também visualizo as poesias da Adriana como você as descreveu. As que foram escolhidas para a postagem são lindas e muito expressivas, trazendo á baila muito da sensibilidade e capacidade da autora de articular versos com cadência e expressão poética admiráveis. Gostei muito ! Bj.

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  2. hercília, o seu olhar, como sempre, apuradíssimo e, melhor, dentro das singelezas quetanto aprecio, assim como a poética da querida adriana karnal.

    parabéns às duas :)
    beijos.

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  3. Ótimo artigo, Hercília. Além do mais faz justiça à poesia da Adriana.
    Ótima semana.
    Beijos

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  4. Hercília, você me surpreende tanto, com tanta sensibilidade e acuidade literária. Esse texto sobre a Adriana é tão preciso, tão claro, tão pertinente que parece um raio X literário. Acho que a Karnal deve estar contentíssima com o resultado de suas percepções. Parabéns a ela e a você, mais uma vez. Beijos.

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  5. Úrsula,

    fico feliz que tenha apreciado. Gosto imensamente dos seus comentários, você demonstra grande percepção poética e crítica.

    Aproveitando...

    Parabéns por seu poema de estréia no "Maria Clara". Lindíssimo: intenso e onírico.

    Breve também trarei ao novidades & velharias alguns apontamentos sobre a sua voz lírica.

    Um forte abraço, minha querida. Mais uma vez, obrigada por sua presença aqui e no maria clara.

    Beijos :)
    H.F.

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  6. *Nina,

    as singelezas que você aprecia me fazem poética. Grata por sua presença e considerações.

    *Fred,

    feliz que tenha apreciado o post. Também aprecio muito o manancial criador da Karnal. Como disse, é de uma simplicidade "enganadora", posto ser riquíssimo e belo.

    *Godoy,

    adorei essa coisa de "raio X literário". Assim vocês me deixam mal acostumada... (risos).

    Muito bom saber que você também apreciou o artigo. Gosto tanto de poesia que escrever poemas ou apreciar a poesia de outrem para mim são experiências equivalentes.

    Um forte abraço, meus queridos. Obrigada por virem apreciar estes caminhos de leitura a partir da Karnal.

    Beijos :)
    H.F.

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  7. Como admiradora de Adriana Karnal, fico feliz e orgulhosa pela cuidadosa e atenta intertextualização de outra amiga que muito admiro, Hercília.

    Adriana e Hercília!

    Parabéns às duas!

    Beijos

    Mirse

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  8. Obrigada, Mirse!

    Feliz com a sua visita e externalização de seu contentamento.

    Já resolveu os probleminhas no seu blogger? Estou indo no Lampejo conferir...

    Mil beijos, amiga!!!
    H.F.

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  9. Hercília,
    Estou muito "orgulhosa" com tua "análise". Enxergas através de nós com uma lupa....tens uma transparência nas palavras que me impressiona. Gostei muito,e fico envaidecida (no bom sentido) com teu texto.Nem eu mesma sabia de tudo isso na minha poesia, porque sim, ela é bem despretenciosa.Mas, eu também acho qu tem o olhar da linguísta por trás, e sem querer, acaba por buscar polissemias e uma estética gramatical da qual desenvolvo no meu trabalho.De qualquer forma, meu processo de criação ainda é novo, pois não me sinto poeta no sentido pleno da palavra. Acho que tu e a Nina, por exemplo, além de outras amigas daqui, dominarem com mais tranquilidade a poesia.Embora a escrita seja parte de nossa profissão, (tu tbm és professora univ.)a poesia tem lá suas especificidades e "traquinagens".enfim, fico emocionada em fazer parte desse grupo, e com teu carinho a vontade de escrever é maior ainda.Muito obrigada!

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  10. AMigos,
    Agradeço à todos que comentário o post da HErcília.Assim, a gente se "mimado".bl

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  11. Adriana K.,

    fico muito feliz que tenha apreciado a postagem. Como disse acima, aprecio tanto poesia que a atividade de "ler" ou escrever "sobre" é tão prazerosa quanto a de escrever poemas.

    E a sua poesia, Karnal, contém algo muito especial. Você remete o leitor a universos de sonho e conhecimento com beleza e simplicidade, qualidade esta rara.

    Penso que a poesia, como outra forma de expressão artística, deve sugerir antes de dizer. Mas para que haja intersubjetividade entre obra-leitor é preciso que o texto ofereça "pistas" para o leitor ressignificá-lo. E a sua poesia contém também essa ventura.

    Por tudo já dito, eu quem lhe agradeço pela oportunidade de aprendizado através da troca de saberes e poéticas no maria clara: simplesmente poesia.

    Um forte abraço, Adriana. Suas palavras me deixaram a.bun.dan.te.mente acanhada, isto é sensibilizada!

    Beijos,
    H.F.

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  12. Hercília,

    Lindo comentário sobre a pessoa e o trabalho da Adriana. Ela merece todo o empenho e cada adjetivo de seu texto.

    Parabéns as duas!

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  13. Fátima Cristina,

    muito contente com a sua visita e afetuosas palavras. Muito obrigada!

    Sinta-se em casa no novidades & velharias.

    Um forte abraço,
    H.F.

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  14. Uma análise muito sensível

    amiga

    e detalhada

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  15. hercília,
    o seu olhar sempre lúcido e certeiro, me impressiona, e a poesia da adriana me encanta. beijos.

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  16. *Eufrázio,

    sinta-se muito bem vindo no novidades & Velharias. Agradeço sua leitura e gentil comentário.

    *Nydia,

    fico contente com sua apreciação, leitura e amáveis considerações.

    Abraços, amigos!
    H.F.

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  17. Hercília,
    Deixei um post sobre sua literatura no meu blog.Vá lá conferir.bj

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