quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Resenha: O QUE É EDUCAÇÃO?


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 21. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988 (Coleção Primeiros Passos).



Hercília Maria Fernandes

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou várias: educação? Educações. [...] Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática, e o professor profissional não é seu único praticante .

(Carlos Brandão)


Carlos Rodrigues Brandão em O que é educação?, livro publicado na coleção Primeiros Passos, pela Editora Brasiliense, disserta sobre o tema “educação”: o seu significado social, o percurso histórico e a sua finalidade. A partir de uma abordagem sociológico-antropológica, o autor propõe a discussão da temática. A obra se divide em 10 capítulos, sendo o último constituído de indicações de leitura.

No primeiro capítulo, Brandão reflete que todos os homens passam por situações de aprendizagens. Fundamentado na antropologia, o autor assinala que não há apenas uma única forma ou modelo de educação; para tanto, descreve os processos de educação das tribos indígenas. Para ele, não se pode confundir “educação” - que é algo abrangente, posto fazer parte de todas as culturas -, com “ensino”, que é específico à educação formal.

Brandão aponta, no segundo capítulo, que a educação acontece independentemente da existência de escolas; e reflete que os índios passam por situações de instrução, sendo introduzidos, em sua cultura, a processos de ensino-aprendizagem que não se associam, exclusivamente, à imagem de um único preceptor. O sociólogo discute a idéia de que tudo o que é necessário à vida humana envolve algum tipo de saber, e, este último, requer métodos de ensino para se concretizar. Essa relação saber-ensino-fazer se constitui o que autor chama de processo de “endoculturação”.

No terceiro capítulo, o autor discute que quando o “trabalho” e o “poder" se dividem, mesmo nas sociedades primitivas, o “saber” se separa do “fazer”, passando a ser utilizado como forma de dominação de uns sobre os outros. Dentro desse processo de separação surgem categorias de saberes especializados, dentre elas a “Pedagogia”; e, com ela, a escola. Para Brandão, com o surgimento das especialidades e da escola formal, a educação se confunde com o ensino e os sujeitos humanos passam a (re)produzir saberes mediante seu estrato social.

Brandão traz à discussão, no quarto capítulo, a educação na Antigüidade Clássica, descrevendo os propósitos que a educação e a escola grega visavam atender. O autor reflete o que era a Paideia e os ideais de homem e de sua formação educativa. A educação na Grécia preparava o homem à vida na polis através da formação do “bom cidadão”, visando sua atuação política e social. Esse sistema educativo centrava-se na busca da verdade e da beleza por meio do estudo da filosofia, da retórica, das virtudes, das artes e da ginástica, e o pedagogo era o sujeito que conduzia as crianças até as escolas para serem instruídas.

No quinto capítulo, o autor se volta à educação na Roma antiga e aponta que a educação romana não se estendia, nos primórdios, apenas aos cidadãos nobres e livres - como na Grécia -, mas a todos os romanos. Entretanto, quando uma nobreza romana abandona a terra para dedicar-se à política, surgem as primeiras agências de educação e modelos específicos de educação às diferentes classes sociais.

No sexto capítulo, o pesquisador busca compreender o conceito de educação a partir do que dizem as leis oficiais, os discursos dos estudantes e intelectuais sobre a temática e verifica a dialética existente no “dito” e “não-dito” imbuída nos diferentes discursos acerca da educação brasileira. Investigando esses documentos, Brandão constata que “não há apenas idéias opostas a respeito da Educação, sua essência e seus fins. Há interesses econômicos, políticos que se projetam sobre a educação” (BRANDÃO, 1988, p. 60).

Continuando a explicitação de seu pensamento, Brandão questiona, no sétimo capítulo, qual a finalidade da educação. O autor discute a idéia de que o fim da educação é a “perfeição”. Entretanto: - Que perfeição é esta? Quem a define? Ela é universal a todas as culturas? Para refletir essas problemáticas, o autor parte dos pressupostos de Émile Durkheim e alude para o fato de que a educação também se constitui uma prática social que inculca tipos de saber e reproduz sujeitos mediante determinadas exigências, princípios e controles sociais.

No oitavo capítulo, o sociólogo questiona a existência de uma educação universal. Para ele, a educação é uma prática social, cujo fim é o desenvolvimento de aprendizagens nos seres humanos que produzem tipos de sujeitos sociais. Brandão alude ainda que, apesar da essência humana ser basicamente a mesma, são os fatores estruturais de uma sociedade – modos de produção e valores culturais - que determinam os tipos de educação adequados aos interesses políticos e econômicos de uma sociedade. Brandão também reflete o discurso liberal da “educação permanente” que deve acompanhar as transformações ocorridas no mundo. Isso significa que os sujeitos sociais devem ser formados, continuamente, mediante as tendências e exigências do mercado de trabalho. O autor denuncia o “utopismo pedagógico” que atribui à educação a tarefa de transformar o mundo e promover a ascendência social. Partindo de pressupostos freirianos, ele diz que a educação não é suficiente para promover a transformação social, entretanto, sem ela essa transformação é impossível.

Prosseguindo a discussão no nono capítulo, Brandão aponta à realidade de que a educação no Brasil se deu – como em diferentes países – em caráter dualista: de um lado - uma educação para o trabalho – de outro, uma educação secundária e intelectualista. Nesse sentido, o pesquisador denuncia o caráter contraditório do discurso liberal imbuído sob o signo de “educação universal”. Todavia, aponta que “assim como a vida é maior que a forma, a educação é maior do que o controle formal sobre a educação” (BRANDÃO, 1988, p. 103). O autor reflete que as classes dominadas conseguem, mesmo dentro de limites estreitos, criar uma identidade própria, por meio de mecanismos de “resistência” contra a invasão cultural, e, assim, lutam pela perpetuação de saberes e práticas intrínsecas a sua cultura.

No décimo capítulo, o autor sugere algumas referências bibliográficas para aprofundamento da temática. Destacando autores e livros acerca da História da Educação (da Antigüidade Clássica a contemporaneidade) e, também, acerca da compreensão da educação a partir de uma perspectiva sociológica.

Sem sombra de dúvida vale a pena consultar esta obra. A abordagem sociológica apreciada pelo autor promove um pensar crítico acerca de paradigmas que envolvem os discursos dos sistemas educacionais, saberes e práticas institucionais. Dessa forma, a obra impulsiona novas leituras e reflexões, visto que o autor oferece um entendimento do tema até a consolidação do projeto liberal de educação. Assim, é importante que os leitores busquem outras leituras complementares, a fim de refletir os novos paradigmas e exigências neoliberais que assolam o mundo pós-modernidade e, sobretudo, a educação.

Concluindo, compartilha-se com Brandão ao apontar que, sendo a educação uma prática social em constante processo de transformação, deve-se buscar compreendê-la mediante os interesses, exigências e necessidades da sociedade. Dessa maneira, ficam abertos os questionamentos: - Que tipo de educação se adequa a atual realidade brasileira? Quais seus pressupostos e finalidades?

Buscar respostas para estas questões é estabelecer um diálogo com o passado e, assim, compreender as transformações presentes na educação e seus significados sociais.

Ilustrações:

Figura 1: Pintura de criança indígena, disponível no Google imagem.

Figura 2: Crianças do Colégio Friburgo em Passeio Pedagógico na aldeia da tribo Kuikurus
(Parque indígena do Xingu). Vale a pena ler o registro desta experiência pedagógica de interação entre culturas. Disponível em:
http://www.colegiofriburgo.com.br/blog/?p=56