domingo, 30 de março de 2008

Artigo: Cecília Meireles e a Nova Educação




O LIRISMO PEDAGÓGICO EM CECÍLIA MEIRELES: "QUEM FICA NO CHÃO NÃO SOBE NOS ARES..."[1]


Hercília Maria Fernandes[2]

Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes[3]

1 Introdução


Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964) tivera uma vida profissional intensa na literatura, imprensa e educação brasileiras. Atuando, da primeira metade do século XX aos anos iniciais da década de 1960, em vários universos de comunicação e formação humana. E, em todos esses campos de atuação, Cecília expande seu canto doce e sincero, afetuoso e profundo, fazendo ecoar sua voz lírica nas instituições e sociedade brasileira, cujo momento histórico configura tensões e conflitos político-ideológicos; mas, também, renovação de valores e reconstrução nacional.

Na poesia, a voz lírica ceciliana destaca-se pela introspecção, pela natureza sentimental, subjetiva, filosófica e intuitiva; pela evocação ao sentido da existência humana: o desejo de liberdade e plenitude, a transitoriedade da vida, a fugacidade das coisas e dos seres, o instante que parece eterno, mas não é, são características fecundas de sua poética (BELOTO, 2000; BOSI, 1972; SANDRONI, 2005). Na literatura, o devaneio poético de Cecília fora capaz de alçar planos ilimitados, materializando, em imagens, as impressões vivenciadas, pela poetisa, durante o niilismo do instante criador. Para a escritora Ruth Rocha, o devaneio ceciliano confere a sua poética a qualidade estética, visto que “ninguém subiu mais alto do que ela, nos ares da poesia” (ROCHA, apud MEIRELES, 1984, p. 9).

Todavia, se na poesia o lirismo de Cecília Meireles fora capaz de alçar os mais altos vôos. Na educação, o lirismo da professora mantivera-a em terra firme, delineando-lhe, com objetividade, os caminhos da ação pedagógica e da transformação educativa; realçando-lhe os passos por meio de uma atitude pragmática. Poder-se-ia inferir que, na educação, a lírica fora orientada por fundamentos filosófico-epistemológicos concisos e por um espírito pedagógico intencional e sistemático pautado em objetivos e finalidades educacionais renovadoras e consistentes.

Entretanto, tanto na literatura como na educação, as ações de Cecília correspondem ao ideário moderno, então em voga nos anos de 1930, acerca da figura feminina, contrapondo-se a mulher-madame denunciada por Del Picchia que aspira: “uma Eva ativa, bela, útil no lar e na rua [...]. No acampamento de nossa civilização pragmática, a mulher é colaboradora inteligente e solerte da batalha diuturna” (DEL PICCHIA, apud ARAÚJO, 2002, p. 2).

E, Cecília inteligentemente colaborara, noite e dia, às causas da cultura e da educação, expandindo sua voz numa época onde vigorava, ainda, na sociedade brasileira, a presença de uma mentalidade tradicional, patriarcal e paternalista que conferia, sobretudo, ao gênero masculino os legados das relações produtivas e sócio-humanas, bem como os principais postos nos cenários políticos, educacionais e culturais. Como declara Beloto (2000) acerca da recentidade da participação feminina, no Brasil, em espaços produtivos além da esfera doméstica:


“No Brasil, a participação da mulher na vida em sociedade e nos grandes acontecimentos do país data da década de 30, a ‘Era do Rádio’, [...] época de industrialização, do crescimento das grandes cidades, da ‘Revolução de 30’, da ditadura de Getúlio Vargas, do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial, mas principalmente, década em que as mulheres começam suas atividades na cena pública, participando do mercado de trabalho (‘trabalho extra-doméstico’) e tendo o direito de votar e de serem votadas” (BELOTO, 2000, p. 73).


“Época”, poder-se-ia acrescentar, de Cecília Meireles.

A poetisa-pedagoga, ainda muito jovem, inicia e dedica-se, respectivamente, a carreira literária e a pedagógica. Construindo, solidificando e conciliando o exercício de ambas as profissões, onde se empenhara com igual entusiasmo, esmero e delicadeza. Porém, enfrentando, a partir dos fins de 1920 à década de 1940, nesses dois campos de comunicação e formação humana, inúmeros desafios e perseguições políticas, onde corajosamente buscava resistir a fim de fazer ecoar sua voz na sociedade e sistema educativo brasileiros[4] (LAMEGO, 1996); cuja época e mentalidade dominante conferiam às mulheres “possuidoras de opinião” as denominações arbitrárias de loucas, subversivas ou, em piores casos, prostitutas (BELOTO, 2000).

Porém, apesar das inúmeras atuações da educadora no universo da ação pedagógica, portanto, pertinente ao educativo e ao educacional; percebe-se, à consulta dos livros de história da educação brasileira, que o pensamento pedagógico de Cecília Meireles não fora devidamente expresso pela historiografia tradicional - a salvo dessa realidade, os estudos acadêmicos e antologias publicadas recentemente que parecem coincidir com a comemoração do seu centenário de nascimento (LAMEGO, 1996; NEVES; LÔBO; MIGNOT, 2001). Isso significa que, apesar de Cecília ser expressamente reconhecida pelas vias da crítica e historiografia literária como uma das maiores poetisas da língua portuguesa (BOSI, 1972; MOISÉS, 1984), o mesmo tratamento não fora empregado à compreensão e difusão de seu pensamento educacional que, por sua vez, envolve uma dimensão político-ideológica no âmbito da ação pedagógica e filosófico-idealista no tocante às finalidades da educação.

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é investigar a “face da Cecília Meireles educadora”, buscando estabelecer uma compreensão para o seu pensamento pedagógico, implícito e explícito, nas “Crônicas de educação”, publicadas em jornais brasileiros nos anos de 1930 a 1940. A compreensão do seu pensamento pedagógico se faz necessária à pesquisa, então em andamento, no mestrado em educação, para efetivar a investigação do objeto: “a lírica pedagógica de Cecília Meireles na literatura infantil”. Na pesquisa, buscar-se-á definir a lírica pedagógica ceciliana, no curso da dissertação, como a união entre o lirismo poético – imaginação criadora – com a ciência pedagógica – pragmatismo. Para tanto, faz-se necessário, antes, uma revisão de literatura dos fundamentos da educação moderna, bem como a adoção teórica dos conceitos apresentados por Libâneo (2001; 2002) acerca do que é intrínseco à pedagogia e ao campo de atuação do pedagogo; almejando, com essa atitude, estabelecer um perfil para identidade profissional de Cecília Meireles enquanto possuidora de um saber específico - o pedagógico -, com enfoque próprio - o educacional – e uma ação intencional, portanto educativa, no âmbito da educação formal e não-formal.

Para realização de tal feito, o estudo parte da reflexão de duas categorias analíticas: a ação pedagógica e a finalidade da educação em Cecília Meireles. A partir da análise sistemática dessas duas categorias, então pertinentes aos vários documentos da autora, o estudo estabelece relações entrecruzadas com o pensamento pedagógico brasileiro produzido na primeira metade do século XX, a fim de fomentar a interpretação do pensamento educacional da autora in foco. Assim, a metodologia de investigação, necessária ao entendimento do objeto de estudo, constitui-se a partir de uma abordagem sistêmica dos documentos da lírica, donde a análise de conteúdo se apresenta como instrumentalização imprescindível, ao pesquisador, quando em busca do desvelamento de mensagens discursivas. A esse respeito diz Bardin (1977): “A análise de conteúdo aparece como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 1977, p. 38, grifo da autora).

Nesse contexto, a ação do pesquisador condiz a de um arqueólogo, onde o analista trabalha com vestígios que se constituem documentos descobertos e/ou suscitados na própria investigação por meio da “inferência” que recorre a indicadores. Dessa forma, o analista busca estabelecer padrões objetivos à interpretação dos documentos, tirando proveito do tratamento da análise: “O analista tira partido do tratamento das mensagens que manipula, para inferir (deduzir de maneira lógica) conhecimentos sobre o emissor da mensagem ou sobre seu meio” (BARDIN, 1977, p. 39).

Assim, as ações do pesquisador ao trabalhar com a análise de conteúdo, diz Bardin (1977, p. 39), seguem três etapas distintas que se relacionam entre si, quais sejam: 1) a descrição, isto é, “a enumeração das características do texto, resumida após tratamento”; 2) a inferência, etapa intermediária entre a descrição e a interpretação, constitui-se “o procedimento intermediário, que vem a permitir a passagem, explícita e controlada, de uma a outra”; 3) e, por fim, a interpretação que consiste no processo final do tratamento das mensagens, é propriamente a significação concebida às características apresentadas na descrição e tratadas durante a inferência.

Dentro dessa perspectiva, ao se estabelecer duas categorias analíticas para efetivar a compreensão do pensamento pedagógico de Cecília Meireles, parte-se inicialmente da premissa de que sendo a pedagogia, a ciência “da” e “para” educação (LIBÂNEO, 2001; 2002), ela envolve duas dimensões específicas: a ação propriamente dita, isto é, o aspecto educativo; e, a finalidade e/ou propósito que correspondem à esfera educacional. Nesse sentido, ao se estabelecer a adoção dessas duas categorias para interpretação do pensamento pedagógico de Cecília Meireles, a partir do exame dos seus documentos, permitiu-se, à investigação, a possibilidade de verificação de novos indicadores, que, compreende-se aqui, constituem-se os motivos centrais de sua inquietação, ação e práxis pedagógica efetiva: a educação da criança e a re-humanização do homem com vistas a construção de uma nova ordem social.


2 A paixão pelo possível: Cecília Meireles e a educação


Cecília Meireles, desde tenra infância, tivera contato com a carreira docente e apresentara grande interesse pelas questões relacionadas à pedagogia e à educação, considerando que o magistério fora também exercício profissional de sua mãe. Como descreve a própria Cecília:


“Minha mãe tinha sido professora primária [...] e eu gostava de estudar nos seus livros. Velhos livros de família que me seduziam muito. Assim como as partituras e livros de música. [...] A educação [...] é uma causa que abraço com paixão assim como a poesia” (MEIRELES, apud VIANA, s/d).


Sua formação pedagógica inicial dera-se na Escola Normal Estácio de Sá, na cidade do Rio de Janeiro, onde se titula professora, em 1917, aos dezesseis anos de idade, passando a lecionar no ensino público municipal do antigo Distrito Federal, então como professora primária. Além da atividade docente desenvolvida junto às crianças, a pedagoga também lecionara no ensino superior em universidades brasileiras e do Texas - Estados Unidos - e, simultaneamente, desenvolvera uma ação pedagógica extra-escolar.

A partir de 1924 escreve ao leitor-criança, unindo ciência e arte na literatura infantil. De 1930 a 1933 ocupa a Página da Educação no Jornal Diário de Notícias onde desenvolve uma ação reflexiva dos problemas educacionais, políticos e sociais brasileiros. Na década de 1940, escreve para o Jornal A Manhã sobre variados temas, porém sempre articulando as temáticas a um ideário de educação. Apaixonada por música, Cecília estudava canto, violino e violão no Conservatório Nacional de Música. E, em defesa da criança e infância carioca, inaugura com seu o primeiro esposo – o pintor Correa Dias – o Centro Cultural Infantil no Pavilão Morisco, na praia de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro. O centro fora inaugurado na administração de Anísio Teixeira e reunia 1.500 inscrições de leitores, tendo sido fechado, em 1937, por interrupção do Estado Novo (LAMEGO, 1996).

Nos fins de 1940 a década de 1950, ela participa de conferências e congressos sobre folclore, tornando-se integrante do Conselho Nacional de Folclore (CNFL), desde a sua formação em 1947, onde busca articular o tema às questões educacionais. E, na década de 1950, profere palestras aos educadores de Belo Horizonte sobre o tema criança e literatura infantil, cujos seminários derivam o livro Problemas da literatura infantil. Obra teórica publicada pela primeira vez em 1951, sendo utilizada, desde então, como fonte bibliográfica no campo da pesquisa.

Como se vê, a educação era, como bem ilustra Cecília, uma paixão que a autora desempenhara com sentimento e dedicação, sendo sua atividade pedagógica desenvolvida intensamente e extensiva a vários campos de atuação; porém, em todos esses universos, a poetisa-educadora buscou desempenhar uma prática educativa consciente, sistemática e intencional nutrida por ideais de mudança social.

Para Cecília era questão fundamental à práxis pedagógica e à educação o conhecimento científico do professor. Sendo sua base epistemológica oriunda das ciências, sobretudo da Psicologia, cujo objeto é o desenvolvimento humano e o processo de formação. A educadora era, portanto, detentora de um saber especializado: a pedagogia, norteada por pressupostos modernos da psicologia do desenvolvimento. Poder-se-ia dizer que sua participação na educação norteava-se pautada em dois princípios básicos: o da “ação” e o da “finalidade”. Esses dois pilares do pensamento pedagógico ceciliano integram-se a um corpo filosófico-empírico das ciências modernas, cujo objetivo é a formação da criança e, cujo, propósito é a re-humanização do homem para construção de uma nova vida social, efetivada por interferência de uma “educação completa, integral, adequada, oportuna” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 42).

Cecília pertenceu a uma época de renovação, de busca de valores e rompimento com uma mentalidade dominante, tradicional e agrária no Brasil; de reformulação e expansão do ensino, de desenvolvimento científico e técnico, de implantação e desenvolvimento de novos meios de produção e de abertura para os ares da nova civilização, modernidade cultural e modernização. Uma época cuja mudança pautava-se na crença no poder transformador da educação, sendo necessária, para efetivá-la adequadamente, o conhecimento científico e o bom desempenho técnico nas ações. Enfim, poder-se-ia dizer que Cecília pertence a uma época de formação e avanço de uma “sociedade pedagógica” (BEILLEROT, apud LIBÂNEO, 2002, p. 58).

De acordo com Libâneo (2002), até meados dos anos de 1920, no Brasil, não eram postas em questão a existência de uma ciência pedagógica, à época fortemente influenciada pela pedagogia católica e pedagogia herbatiana. Para ele, a idéia de uma ciência unitária que reúne em torno de si as chamadas ciências auxiliares da educação, começa a perder espaço, no Brasil, com o surgimento do movimento da educação nova de origem norte-americana que, “vai tomando conta, nos anos 30, de uma elite intelectual de educadores brasileiros” (LIBÂNEO, 2002, p. 47).

Dentro dessa perspectiva, Libâneo aponta que a adoção da teoria educacional de John Dewey pelos intelectuais brasileiros nos centros de estudos educacionais e de formação de professores, provoca o arrefecimento do núcleo de estudos denominado pedagogia ou pedagogia geral. Considerando que: “A concepção imanentista de Dewey sobre os fins da educação não poderia combinar com uma noção de pedagogia de cunho normativo, razão pela qual ele trata de uma ciência da educação” (LIBÂNEO, 2002, p. 47-48).

Assim, para o escolanovismo, a pedagogia, enquanto “ciência da educação”, tende a uma visão cientificista do educativo cuja diretriz vem norteada pela influência da psicologia que acaba por ocasionar, nesse período, “a psicologização da atividade escolar” (LIBÂNEO, 2002, p. 48).

Nesse sentido, Cecília expande, na primeira metade do século XX, um discurso pedagógico centrado, principalmente, na compreensão do desenvolvimento humano e processo educativo. Onde defende, em jornais brasileiros nas chamadas “Crônicas de Educação[5]”, e, também, na literatura infantil[6], uma prática pedagógica orientada por pressupostos teóricos da psicologia moderna a fim de influir “intencionalmente” no âmbito escolar e, sobretudo, na mentalidade dos educadores. Uma prática centrada nos interesses, necessidades e possibilidades das crianças com vista à formação de uma nova humanidade e sociedade. Sendo sua práxis pedagógica desenvolvida, portanto, tanto no universo dos objetivos da ação pedagógica como no dos propósitos educacionais.

Para Libâneo (2002), a pedagogia é uma ciência que investiga a realidade educativa, conforme conhecimentos científicos, filosóficos e técnico-profissionais específicos, visando à explicação de objetivos e de intervenção metodológica e organizativa em instâncias da atividade educativa implicadas no processo de transmissão/apropriação ativa de saberes e modos de ação. Para esse autor, ela é a uma área de investigação que possui como objeto a própria prática educativa que, por sua vez, ocorre num contexto histórico e sócio-humano. Assim, para se investigar a ação educativa, a pedagogia necessita de métodos de investigação e elaboração sistemática de resultados, em razão de um corpo de conceitos e proposições:


“A pedagogia é a teoria, a reflexão sobre esse aspecto da realidade em suas relações com outros aspectos. Constitui-se, pois, como campo de investigação específico cuja fonte é a própria prática educativa e os aportes teóricos providos pelas demais ciências da educação e cuja tarefa é a compreensão, global e intencionalmente dirigida, dos problemas educativos” (LIBÂNEO, 2002, p. 53).


Dessa maneira, mesmo a pedagogia não tendo um “conteúdo” próprio, já que se vale das demais ciências para investigar e compreender a realidade educativa, ela possui um domínio próprio – a educação -, e um enfoque especifico – o educacional -, que lhe assegura o caráter de disciplina autônoma diante de outras áreas do saber e das atividades humanas (NASSIF apud LIBÂNEO, 2002, p. 53).

Assim, embora a realidade educativa na sociedade seja múltipla, já que a educação acontece em vários modelos sócio-históricos de civilização e instâncias extra-escolares (BRANDÃO, 1984; LIBÂNEO, 2001, 2002), o que caracteriza o campo educativo é a “intencionalidade”. Desse modo, desde que haja intencionalidade, poder-se-ia dizer, há prática educativa, e, conseqüentemente, variadas formas de pedagogo nas esferas onde se efetiva a práxis educacional. Visto que o que caracteriza a identidade profissional do educador “não é a docência”, mas, sobretudo, a “ação pedagógica” que corresponde aos objetivos e processos do educativo (LIBÂNEO, 2002, p. 55).

Dessa forma, pode-se considerar pedagogo o tipo profissional que:


“[...] atua em várias instancias da prática educativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação ativa de saberes e modos de ação, tendo em vista objetivos de formação humana definidos em sua contextualização histórica. Em outras palavras, pedagogo é um profissional que lida com fatos, estruturas, contextos, situações, referentes à prática educativa em suas várias modalidades e manifestações” (LIBÂNEO, 2002, p. 52).


Tendo por base o pensamento apresentado por Libâneo (2001; 2002) acerca da pedagogia, compreende-se que Cecília Meireles fora uma pedagoga com todos os atributos que a denominação lhe concebe. Detentora de um saber específico – o pedagógico -, com conteúdo ancorado em conceitos das ciências modernas – sobretudo da psicologia; Porém, com domínio e enfoque específicos - o educacional e o educativo. Considerando que:


“A identidade profissional do pedagogo se reconhece [...] no campo de investigação e na sua atuação dentro da variedade de atividades voltadas para o educacional e para o educativo. O aspecto educacional diz respeito a atividade do sistema educacional, da política educacional, da estrutura e gestão da educação em suas várias modalidades, das finalidades mais amplas da educação e de suas relações com a totalidade da vida social. O aspecto educativo diz respeito à atividade de educar propriamente dita, à relação educativa entre os agentes, envolvendo objetivos e meios de educação e instrução” (LIBÂNEO, 2002, p. 54-55).


Dentro dessa perspectiva, entende-se que Cecília fora uma pedagoga dentro e fora do cenário escolar, aliando respectivamente os aspectos educacional e educativo em sua ação pedagógica. Isso significa que a sua atuação não fora exclusiva ao desempenho da docência, mas às diversas atividades extra-escolares desenvolvidas pela educadora, cujas ações constituem-se imbuídas de intencionalidades que caracterizam a prática educativa. Como bem diz Libâneo acerca da abrangência dos campos de atuação dos pedagogos:


“[...] todos os profissionais que se ocupam de domínios e problemas da prática educativa em suas várias manifestações e modalidades são, genuinamente, pedagogos: pais, professores, supervisores de trabalho, agentes dos meios de comunicação, autores de livros, orientadores e guias de turismo, agentes de educação em movimentos sociais etc.” (LIBÂNEO, 2002, p. 55).


2.1 “A esperança nos educadores”[7]: a ação pedagógica de Cecília Meireles


Cecília Meireles, além da ação pedagógica desenvolvida no âmbito da docência, fora uma militante ativa nas causas da educação moderna, particularmente da Nova Educação cuja base teórica, no Brasil, remonta ao pragmatismo deweyano. Em defesa dessa corrente de pensamento, que tem origem nos idealistas da educação moderna como Rousseau, Pestalozzi e Froebel, ela propunha, em jornais brasileiros, a reformulação educacional com base na mudança do sistema de ensino e da mentalidade dos políticos e educadores brasileiros, onde enfatiza a importância do conhecimento científico para efetivar as devidas transformações. Para ela, o conhecimento pedagógico era condição imprescindível para significar a reforma do ensino, devendo também guiar, além das ações dos educadores, as dos políticos, já que, como bem ilustra a educadora, “pedagogia e política deslizam na mesma linha de coincidência” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 9).

Para Beillerot (1985), a pedagogia envolve uma dimensão política pautada em princípios de transmissão/expansão de pensamentos conscientes e consistentes que visam transformações humanas de modo a modificar os comportamentos sociais. Nesse sentido, podem apresentar-se presentes numa ação pedagógica:


“[...] por um lado, a imposição [...] de um sentido cultural arbitrário e, por outro lado, uma prática, ou seja, um conjunto de comportamentos e ações conscientes e voluntárias de transmissão de saberes [...], por explicações que apelam à razão de uma ou mais pessoas, como a finalidade de: (a) modificar os comportamentos, os afetos, as representações dos ensinados [...]; (b) fazer e adquirir métodos e regras fixas que permitam fazer face a situações conhecidas que se reproduzem com regularidade; (c) fazer agir” (BEILLEROT, apud LIBÂNEO, 2001, p. 8).


Entende-se que Cecília Meireles, enquanto educadora, integra-se ao segundo plano da ação pedagógica exposta por Beillerot.

A bandeira da educação levantada por Cecília Meireles em jornais brasileiros, nas décadas de 1930 a 1940, revela, nos seus vários discursos, uma dimensão ideológica, cuja ação pedagógica busca, através da militância política, sensibilizar a sociedade brasileira e, como ela, as instituições e órgãos públicos para a problemática do sistema educativo e à necessidade urgente de sua devida reformulação; tendo em vista as correntes transformações no Brasil e no mundo que acabam por afetar todas as esferas da vida sócio-humana.

De acordo com Vasconcelos (2002), o educador é um sujeito transformador da realidade. Para esse autor, o educador, enquanto agente do processo educativo, tem sua práxis pedagógica movida por seu querer – vontade, necessidade, realidade - e por seu poder – capacidade de realização. O “querer” refere-se à dimensão relativa às necessidades, ao desejo, à paixão, às emoções, à afetividade, aos valores assimilados pelo educador. Já, o poder possui uma base objetiva que se constituem “as condições para a ação (os meios, os recursos, sejam materiais ou estruturais)”, e, outra, subjetiva que envolve “o saber (seja na forma de conhecimento, habilidades e/ou atitudes)” (VASCONCELOS, 2002, p. 39).

Dessa forma, as crônicas de educação aliadas à práxis educativa direta foram, para Cecília, às armas de reflexão e compreensão da prática social-educativa; e, também, os instrumentos da luta pedagógica, a fim de defender, e expandir, os ideais de construção de uma nova educação, cujo educando constitui-se o centro das práticas educativas pautadas nos alicerces de uma escola única, gratuita, laica, dinâmica, para ambos os sexos e diferentes faixas etárias.

Ainda com Vasconcelos (2002), a ação pedagógica deve ser fruto de uma proposta de mudança bem fundamentada numa compreensão clara e objetiva da realidade, porém em concordância com um corpo teórico de conhecimentos e métodos que auxilia a construção da práxis. Para ele, não há prática verdadeira, seja no sentido ético ou técnico, puramente material e desvinculada de alguma elaboração teórica, posto que: “Teorizar é iluminar a ação, é decifrá-la, é apreender o movimento do real, portanto, algo por essência relacionado à prática” (VASCONCELOS, 2002, p. 44).

Nesse contexto, ao teorizar a educação e a realidade social brasileira, destaca-se em Cecília, dentre as muitas ações empreendidas em torno da atividade educativa, a campanha em torno da expansão do ensino às diversas camadas da população, sobretudo, às crianças e adolescentes de origens humildes então excluídos, à época, do processo de escolarização.

As questões da criança e da juventude de um modo geral são os motivos centrais de sua inquietação e os objetivos fundamentais de sua ação político-pedagógica. Essa realidade pode ser verificada por meio da investigação sistemática de suas diversas crônicas de educação, cuja temática desenvolve-se em torno da defesa da criança, de seu livre desenvolvimento, do despertar de sua consciência e exercícios contínuos de suas múltiplas competências. Nesses textos, Cecília clama, à sensibilização do leitor, às singularidades e especificidades que envolvem uma natureza em face de desenvolvimento. Para ela, a criança somente receberia, na escola, a atenção e processo educativo devidos, se os educadores concebessem, por meio dos fundamentos da ciência moderna aliados à prática cotidiana, a complexidade e especificidade da juventude, para tanto se constituía serviço do professor a construção consecutiva de valores necessários à atividade docente. Em suas palavras:


“Se há uma criatura que tenha necessidade de formar e manter constantemente firme uma personalidade segura e complexa, essa é o professor. [...] Destinado a pôr-se em contato com a infância e a adolescência [...] tendo de compreender as inquietações da criança e do jovem, para bem os orientar e satisfazer sua vida, deve ser também um contínuo aperfeiçoamento [...] variando sobre si mesmo, chegar a apreender cada fenômeno circundante, conciliando todos os desacordos aparentes, todas as variações humanas nessa visão total indispensável aos educadores [...] e poder ser o que é cada aluno, descer à sua alma, feita de mil complexidades, também, para pôr em contato com ela, e estimular-lhe o poder vital e a capacidade de evolução” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 147).


Nesse sentido, acreditava Cecília que a necessária e devida transformação do ensino brasileiro concretar-se-ia somente com a ruptura de valores da escola tradicional e ascensão da escola moderna que, para efetiva realização, dependia, sobretudo, da ação consciente do educador:


“A escola moderna depende, mais que de leis, mais que de aluno, mais que da própria família deste, de um elemento capaz de modificar todos esses pela ação consciente, pela sua visão geral da vida, pela sua disposição de constante devotamento a um ideal, ainda sabendo-o de realização tardia, sentindo-o cumprir-se muito depois da sua ansiedade e do seu labor. A escola moderna depende, antes de tudo do mestre” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 9).


Nessa perspectiva, Cecília, nas crônicas de educação, desenvolve uma prática educativa intencional dirigida aos professores brasileiros com vista a suscitar-lhes, no espírito, os ideais escolanovistas de transformação do sistema de ensino de modo que a escola correspondesse às necessidades, os interesses e o processo natural de evolução do educando.

Dessa forma, é uma das características fundamentais de sua ação educativa, a formação da criança que deverá ser possibilitada pela renovação do ensino então destinado à formação docente na Escola Normal. Todavia, essa reformulação do ensino não seria suficiente e nem eficiente se não houvesse uma mudança de mentalidade por parte do professor e da sociedade, de uma compreensão clara dos ideais da escola moderna. Para ela, sem essa consciência, a criança não receberia a formação e instrução necessária à sua evolução, visto que:


“Nós temos escolas. Há muito tempo que as temos. Mas estarão elas perfeitamente integradas na sua função? [...] São escolas para atender a crianças ou a professores? [...] As reformas pedagógicas não se justificam apenas com a introdução de fatores concretos: com tabuleiros de areia para ensinar geografia; jogos de linguagem e de aritmética; centros de interesse, testes, etc. [...] se tudo isso não estiver aviventado por um ‘espírito’ diferente, se tudo isso não levar ao impulso de uma diretriz em harmonia com todos os problemas sociais da atualidade, o que continua prevalecendo é a velha escola de tico-tico, de fachada pintada de novo e professor mascarado” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 181-182).


Desse modo, Cecília - enquanto pedagoga e boa partidária dos ideais escolanovistas iniciados na Europa, difundidos nos Estados Unidos e, posteriormente, acolhidos no Brasil -, ao compartilhar com os ideais defendidos por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e demais escolanovistas brasileiros, empenha-se ativamente numa prática pedagógica em torno do movimento reformador da Escola Nova; buscando, intencionalmente, sensibilizar o docente para os problemas da educação, visto que para a educadora, o ensino carecia “de apóstolos de idealismo, de formadores de personalidades” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 152) para cumprir com a sua verdadeira missão social.


2.2 “Uma outra humanidade”: Cecília Meireles e a finalidade da educação


Para Cecília era problema fundamental à prática educativa a compreensão clara dos seus fins, visto que sem esse entendimento as ações pedagógicas desvinculam-se do verdadeiro espírito da educação que, no dizer da cronista, se constitui no trabalho contínuo de re-humanização do homem, justiça e igualdade social, para tanto as práticas devem ser orientadas por ideais constantes de renovação, associadas à vida coletiva. Nesse sentido, é temática constante em suas crônicas as finalidades da educação, que para tornarem-se claras, aos educadores, necessitam continuamente de reflexão. Para tanto, ela faz o questionamento:


“Qual é essa educação que tornará o homem bom, sem ser débil, forte sem ser monstruoso, livre de todos os excessos e fanatismos, e equilibrado ao mesmo tempo no universo a que pertence, na sociedade em que vive e no indivíduo que é?” (MEIRELES, 2001, v. 5, p. 38).


Acreditar-se-ia, no momento histórico, essa educação provinha dos fundamentos da educação moderna e da nova pedagogia associados à renovação do sistema educativo.

No arcabouço teórico da educação moderna, a criança torna-se o centro de interesse e discussão reflexiva dos intelectuais brasileiros, sendo considerada como o sujeito social responsável pela formação de uma nova mentalidade, no Brasil, mediante um idealismo de humanismo universal, cuja realização, acredita-se, dar-se pela transformação do sistema de educação e da Escola Nova.

Nesse sentido, Cecília expande um discurso filosófico centrado no desenvolvimento infantil onde defende os pressupostos teóricos da psicologia moderna, cuja criança apresenta-se como um ser distinto do adulto e em desenvolvimento gradativo, por isso merece ser respeitada por suas especificidades. Nessas defesas, Cecília revela um profundo sentimento pela criança e uma compreensão clara das singularidades da natureza infantil onde enfatiza que o verdadeiro sentido das reformas educacionais é garantir o pleno desenvolvimento dos educandos:


“O verdadeiro sentido das reformas educacionais modernas se baseia na necessidade de permitir o desenvolvimento normal e completo das criaturas, que a organização social tem, até aqui, desigualmente contemplado, criando, dentro de uma mesma humanidade, separações, inferioridades, desequilíbrios de toda espécie” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 7).


Segundo Kramer (1995a, 1995b et al.), durante as primeiras décadas do século XX, a criança, no Brasil, passa a ser vista como algo que pode vir-a-ser o futuro do país. Nesse primeiro momento, ainda não era a criança e a infância brasileiras o centro das discussões e, sim, o progresso da nação e o desenvolvimento econômico brasileiro. As políticas implementadas, nesse período, continham como principal objetivo moldar os sujeitos sociais conforme a nova ordem burguesa, mediante um ideário de modernidade intelectual e modernização do país, baseado nos moldes dos países considerados civilizados e desenvolvidos.

Também, Pécaut (1990) ressalta que os intelectuais brasileiros, nas décadas de 1920 a 1930, pela falta de um projeto de transformação social para construção de um Brasil moderno, construíram um projeto de transformação cujo eixo central girou, enquanto estratégia, em torno da transformação cultural. Assim, a condição necessária à reorganização da estrutura nacional baseou-se na efetivação de mudanças da instrução pública e do sistema de ensino. Da mesma forma, Araújo (2001) destaca que esse quadro de reconstrução nacional suscitou a reorganização da educação escolar, competindo “a intelectualidade brasileira [...] a definição dos rumos dessa reconstrução, estudando os meios de promovê-la, técnica e cientificamente” (ARAÚJO, 2001, p. 20).

Nesse sentido, a proposta de construção de um Brasil moderno, preconizada pelos ideais dos intelectuais, no início do século XX, elege como principal problema nacional a educação. No “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” (1932) - documento elaborado por Fernando Azevedo e assinado por 26 educadores brasileiros, dentre eles Cecília Meireles -, os escolanovistas destacam que o desenvolvimento econômico de uma nação se realiza concomitante ao seu desenvolvimento cultural, visto serem as forças culturais que impulsionam a iniciativa e a inventividade, fatores fundamentais para o acréscimo de riqueza de uma sociedade. Nesse contexto, caberia à educação e ao sistema público de ensino a árdua tarefa de gerar um capital intelectual compatível às aspirações do grandioso projeto de modernização do país (ROMANELLI, 2002).

Todavia, Cecília, ao refletir os resultados da Reforma Educacional implementada por Fernando de Azevedo, em 1928, no Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal), ressalta que as modificações ocorridas no ensino brasileiro da década de 1930 a 1940 - como também em diferentes contextos sócio-históricos -, não se efetivaram em termos de resultados úteis no tocante à finalidade da educação, já que:


“No domínio da ‘educação’, as perguntas se referem a ‘por quê’ e ‘para quê’. A instrução é um instrumento, mas a educação é uma finalidade, embora seja uma finalidade que não excede a sua órbita própria, não se imiscui nem se confunde com outras, nem se deixa atrair pelo seu poder” (MEIRELES, 2001, v. 5, p. 38).


Na visão da pedagoga, a verdadeira finalidade da educação se justifica pela essencial tarefa de re-humanização do homem, para tanto a escola moderna deve ser guiada pela temperança na criança e na infância:


“A escola, criada para servir a criança, não pôde e não soube, por muito tempo, compreender o papel que tinha a representar, para corresponder ao sentido que lhe pertencia. Não desceu a penetrar na alma simples e complexa, ao mesmo tempo, da infância. Fechou os olhos aos fatos particulares desse mundo, que era a sua razão de ser, e pôs-se a apregoar [...] que o livro era a redenção; que a instrução é o facho que ilumina os caminhos da liberdade; que não há pior cativeiro que a ignorância [...] exatamente como os governantes diziam [...]” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 9).


Nessa perspectiva, apesar de Cecília ter vivenciado esse período de reconstrução nacional, cuja finalidade da educação, conforme ideário político-pedagógico da tendência liberal, é elevar o potencial humano de modo a gerar um capital intelectual compatível ao grande projeto de reconstrução e modernização brasileiro, a educadora volta-se para compreensão da criança como medida para construção de uma nova humanidade: solidária e moralmente mais igualitária. Desse modo, entende-se que, em Cecília, o projeto liberal de reconstrução nacional, antes de se constituir o meio de potencializar desenvolvimento econômico, se torna instrumento de re-significação de valores, então necessários às relações sociais, como meta a ser praticada pela pedagogia a fim de definir efetivamente a construção de uma nova sociedade. Veja-se o fragmento de texto onde Cecília reflete a reconstrução nacional e deposita o seu otimismo na infância brasileira (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 39):


“Brasil melhor, só pode ser um Brasil Novo, refeito, reconstruído de baixo para cima, - porque, em cima, como verificam os revolucionários, tudo está errado, corroído pela política, e não há jeito de fazer boa obra nova com material tão velho e condenado. O que se aproveita é o que ainda não chegou tão alto. É a infância; é a mocidade que ainda não se gastaram em interesses egoísticos, em corridas louca de ambição perniciosa”.


Assim, para Cecília, a finalidade da educação é, sobretudo, possibilitar à criança o pleno exercício da liberdade e observação de sua natureza infantil, sem que haja imposição e corrupção de sua alma – boa e cristalina – por parte dos interlocutores educacionais. Essa é a máxima de sua filosofia: proteger a criança da perversidade mundana e da ambição desmedida dos homens. Cabendo a escola moderna garantir que a instituição educativa “seja um abrigo para a criança de hoje, com o único intuito de permitir a construção de uma outra humanidade, mais justa e melhor do que esta” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 196).


Considerações finais


Pelas reflexões realizadas acerca da ação pedagógica e finalidade da educação em Cecília Meireles, poder-se-ia dizer que, no âmbito da práxis pedagógica, a lírica mantivera-se em solo concreto, porém fértil, onde tratava com objetividade, clareza e sistematicidade os problemas educacionais, considerando que “a pedagogia não é abstrata: ela forma o indivíduo para a coletividade” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 8). Entretanto, a autora tratava com igual beleza e sentimento as finalidades da educação, pois como bem diz a escritora Ruth Rocha: “[...] sem lucidez não se pensa bem a educação. Sem objetividade não se constrói em educação. Mas sem beleza não tem a educação nenhum propósito” (ROCHA, apud MEIRELES, 1984, p. 9).

Assim, Cecília Meireles, além do conhecimento científico, objetividade e lucidez, impregnou a educação brasileira com seu sopro sentimental, depositando na ciência pedagógica um profundo amor à criança e às causas da educação moderna. Segundo Vasconcelos (2002), referindo-se aos gregos Hesíodo e Parmênides, “o amor é a força que move as coisas e as conduz e as mantém juntas” (VASCONCELOS, 2002, p. 39). E, Cecília amara tão intensamente a criança e a sociedade brasileira que desenvolvera, em si mesma e nas suas muitas ações educativas, a grandeza de: “Saber ser poeta para inspirar” (MEIRELES, 2001, v. 3, p. 148).


Referências Bibliográficas:


ARAÚJO, Marta Maria de. Jader de Medeiros e MOTA, Carlos Guilherme. Anísio Teixeira, pensador radical. MONARCHA, Carlos (org.). Rio de Janeiro: DP&M, 2001.

ARAÚJO, Marta Maria de. A educação tradicional e a educação nova no manifesto dos pioneiros (1932). In: Trabalho apresentado no I Colóquio sobre o Manifesto da Educação nova. Belo Horizonte, 18 a 21 de ago., 2000.

________. Lembrando a educadora Cecília. In: Revista Educação em Questão. v. 1, n. 1 (jan.- jun. de 1987) – Natal, RN: EDUFRN, 1987.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1977.

BELOTO, Maria Rosa Mijas. Cecília Meireles, Caetano Veloso e o tempo. In: Revista Tema: São Paulo, n. 36, p. 68-97, 2000. Disponível em: <http://www.fatema.br/fatema/tema/tema36/Rosa%20Maria%20Mijas%20Beloto.pdf> Acesso em: 10/01/07.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1972.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.

DEWEY, John. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. Trad. Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

_______. Vida e educação. Trad. Anísio Teixeira. 10. ed. São Paulo: Melhoramentos: Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar/Ministério da Educação e Cultura, 1978.

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8. ed . São Paulo: Ática, 2002.

KULESZA, Wojciech Andrzej. A institucionalização da escola normal no Brasil (1870-1910). In: Revista brasileira de estudos pedagógicos. Brasília, v. 79, n. 193, p. 63-71, set./dez., 1998.

KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: A arte do disfarce. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1995a.

_______. Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1995b.

KRAMER, Sônia e LEITE, Maria Isabel (orgs.). Infância e educação infantil. Campinas: Papirus, 1999.

LAMEGO, Valéria. A musa contra o ditador. Suplemento Literário. Folha de São Paulo. São Paulo: 4 de ago. de 1996a.

_______. A farpa na lira: Cecília Meireles na revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996b.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 6. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

_______. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. In: Educar em revista, Curitiba: Editora da UFPR, n. 17, p. 153-176, 2001. Disponível em: <http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos_17/libaneo.pdf>. Acesso em: 10/01/07.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Ilust. Thais Linhares. 6 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

_______. Obra em prosa: crônicas de educação. Rio de janeiro: Nova Fronteira: Biblioteca Nacional, 2001, Vol(s) 1, 2, 3, 4 e 5.

_______. Obra poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987.

_______. Problemas da literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Summus, 1984.

_______. Criança, meu amor. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

MONARCHA, Carlos. Escola normal da praça. O lado noturno das luzes. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.

MOISÉS, MASSAUD. A análise literária. 7. ed. São Paulo: Cultrix, 1984.

NAGLE. Jorge. Educação e sociedade na primeira república. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: FENAME, 1974.

NARODOWSKY, Mariano. Infância y poder: la conformacion de la pedagogia moderna. Buenos Aires: Aique, 1994.

NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Puc-Rio & Loyola, 2001.

PÉCAUT, Daniel. Intelectuais e a política no Brasil. Entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática, 1990.

ROCHA, Ruth. Prefácio. In: MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Summus, 1984.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 27. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2002.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da educação. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil. 1992.

SANDRONI, Luciana. Cecília, a poeta aprendiz (apresentação). In: MEIRELES, Cecília. O estudante empírico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.

________. Educação no mundo moderno. São Paulo: Nacional, 1969.

VASCONCELOS, Celso dos Santos. O planejamento como méthodos da práxis pedagógica. In: _______. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico. 10. ed. São Paulo: Libertad, 2002.

VIANA, Lúcia Helena. Cecília Meireles (estudo biográfico). In: Vidas lusófonas. Cecília Meireles. Disponível em: <http://www.vidaslusofonas.pt/cecilia_meireles.htm>. Acesso em: 02/01/07.

Notas:

[1] Artigo apresentado, em Comunicação Oral, em 17 de agosto de 2007, no XIII Seminário de Pesquisa do CCSA / Universidades, Políticas Públicas e Solidariedade, promovido pelo CCSA/UFRN, durante o mês de agosto de 2007. Também publicado no site Artigos.com. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/o-lirismo-pedagogico-em-cecilia-meireles:-%93quem-fica-no-chao-nao-sobe-nos-ares%94...-2821/artigo/

[2] Mestra em educação (PPGED/UFRN), na linha de pesquisa Cultura e História da Educação.

[3] Professor-Orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação, vinculado ao Departamento de Filosofia da UFRN.

[4] De acordo com Lamego (1996), Cecília sofreu muitas perseguições durante a primeira década do século XX. A primeira delas foi a perda da vaga à cadeira de professora de literatura da Escola Normal, em 1929, em razão do voto de Alceu Amoroso Lima a favor de seu adversário. Em 1933, ver-se obrigada a deixar a Página de Educação do jornal Diário de Notícias em razão das manobras políticas da ditadura de Vargas; voltando, somente, aos jornais cariocas, em 1940, no Jornal A Manhã, porém com uma ressalva: podia escrever sobre tudo, menos sobre política. Em 1937, em pleno Estado Novo, tem a biblioteca do Mourisco – centro infantil inaugurado pela poetisa e então esposo, o pintor Correa Dias - fechada por ação do Interventor do Distrito Federal que acusara um clássico da literatura infantil de material subversivo. Na literatura, também Alceu “Amoroso” Lima volta-se contra a poetisa no prêmio de poesia promovido pela Academia Brasileira de letras, em 1938, por considerar, conjuntamente com Fernando de Magalhães, a obra Viagem demasiadamente vaga e difusa à época. A pendenga é resolvida, no entanto, pela intervenção do poeta Cassiano Ricardo, e Cecília, apesar dos maus gostos, acaba recebendo o primeiro lugar no concurso.

[5] As crônicas de educação, publicadas em jornais cariocas dentre eles o jornal Diário de Notícias e o jornal A manhã, comportam um grande patrimônio histórico-cultural do pensamento educacional de Cecília Meireles nos anos de 1930 a 1940. Tendo sido publicadas, em 2001, em uma antologia intitulada: Cecília Meireles: crônicas de educação; que reúne os textos em 5 (cinco) volumes através de núcleos temáticos sob o planejamento editorial de Leodegário A. de Azevedo Filho.

[6] Na literatura infantil, a defesa em torno dos fundamentos da educação moderna destaca-se abundantemente presente na obra Criança meu amor (1924).

[7] A construção de todos os títulos deste artigo fora inspirada em fragmentos de escritas pertinentes à Cecília Meireles. O próprio subtítulo do artigo – Quem fica no chão não sobe nos ares – constitui-se verso do poema que dá nome à obra Ou isto ou aquilo (MEIRELES, 2002). O título do tópico, em questão, deriva da crônica "A esperança nos educadores" (MEIRELES, 2001), e o tópico seguinte de fragmentos de textos ceciliano cuja temática central gira em torno da finalidade da educação.