segunda-feira, 8 de março de 2010

Maria Clara: uniVersos femininos

Uma página na historiografia das mulheres



Por que a ciência nos é inútil?
Porque somos excluídas dos encargos públicos.
E por que somos excluídas dos cargos públicos?
Porque não temos ciência.
Nísia Floresta.

No meio literário e acadêmico muito se discute sobre a existência de um eu-lírico feminino, particularmente na poesia.
Alguns defendem que não se pode realizar uma definição, posto que o que se considera “voz feminina” não é a escrita como produto de um sexo ou de outro, mas a evidência de alguns elementos de composição, dentre eles a pausa e o silêncio, a subjetividade e a introspecção, a intensidade emotiva, a imagística e o mistério..., atributos próprios do lirismo feminino.
Todavia, mesmo que se considere que alguns traços do lirismo feminino possam também povoar o imaginário poético masculino, onde se podem vislumbrá-los na poesia contemporânea, como na produção poética de Fred Matos, do blog Nas horas e horas e meias. É preciso ponderar que a problemática envolve complexidade, tendo em vista que a escrita literária comporta valores e regras próprias a cada época e contexto. Resulta, portanto, de um “ponto de vista” que, por sua vez, decorre da soma de interações que o artista realiza com a cultura e tempo histórico.
A meu ver não se pode estabelecer universalidade entre vozes masculinas e femininas porque homens e mulheres são portadores de valores e experiências condizentes aos múltiplos determinantes que envolvem os papéis sociais no emaranhado das relações humanas. Isso significa que a produção literária, seja ela elaborada por homens ou mulheres, comporta especificidades que requer o exame de uma categoria configurada historicamente: a de “gênero”.
Por mais que um(a) poeta/poetisa, escritor/escritora habilidoso(a) possa falsear literariamente a realidade, expandindo na obra uma percepção feminina e/ou masculina sobre as relações humanas, através da descrição das ideias, representações e comportamentos de suas personagens e/ou mesmo de sua subjetividade, ainda assim configurará um ponto de vista intrínseco a um "eu-lírico generificado".
Assim, entende-se que o entendimento da problemática não condiz a uma explicitação natural, portanto biológica do fenômeno. Outrossim, envolve uma discussão que privilegia o exame dos papéis que homens e mulheres desempenham em suas práticas sociais cotidianas.
No tocante à poesia elaborada por mulheres faz-se necessário relembrar que, nós autoras, somos herdeiras de um longo processo histórico de silêncios, interditos e mutilações, cujas ressonâncias ainda operam marcas na atualidade. Até pouco tempo, as mulheres escritoras, de um modo geral, para expressar opiniões, ânsias e reivindicações eram obrigadas a fazer uso de pseudônimos e/ou se esconder em véus metafóricos; expandindo uma escrita que, em síntese, nada almejava expressar além de “silêncio”. Silêncio que as mulheres se encontravam submetidas no cotidiano social.
Hoje, após anos de lutas, retrocessos e vitórias, percebe-se que há um movimento de resistência e negação aos ditames da “tradição falocêntrica” que, aliada à filosofia e aos valores cristãos, qualificara a escrita feminina, no Ocidente, como algo de segunda grandeza... Isso porque, até pouco tempo, as mulheres eram privadas de informação, cultura e conhecimento educacional formal, já que as suas maiores qualidades residiam, sobremaneira, às “alegrias e elevações da maternidade”...
Esse discurso ideológico oriundo do pensamento iluminista, no dizer da crítica Nelly Novaes Coelho, encontra-se em “crise” e o que se percebe é que a escrita elaborada por mulheres, a cada dia, toma maior consciência da singularidade da voz poética feminina. Singularidade que comporta “diversidade”, já que cada autora porta valores e representações várias, além de múltiplas vivências com a leitura e a linguagem literária.
Essas são algumas das concepções e considerações compartilhadas que guiam a organização da obra "Maria Clara: uniVersos femininos". Livro coletivo que, brevemente, se encontrará disponível nas livrarias e sites para aquisição dos leitores.
A obra consiste uma coletânea de poemas composta por 12 poetisas que atuam em espaços pessoais na Internet e, simultaneamente, integram o blog/projeto voltado à apreciação de poesia feminina, sob a minha coordenação, Maria Clara: simplesmente poesia.
Contrariamente às práticas de publicações femininas realizadas em séculos anteriores, onde as escritoras adotavam pseudônimos para expansão de suas vozes, os capítulos que compõem a obra Maria Clara: universos femininos apresentam-se intitulados com os próprios nomes das autoras e/ou com as imagens que lhes são pertinentes. São elas, por ordem alfabética:

Adriana Godoy, de Belo Horizonte – MG;
Adriana Riess Karnal, de São Leopoldo – RS;
Hercília Fernandes, de Caicó – RN;
Lara Amaral, de Brasília – DF;
Lou Vilela, de Recife – PE;
Maria Paula Alvim, de Belo Horizonte –MG;
Mirze Souza, do Rio de Janeiro – RJ;
Nina Rizzi, de Fortaleza – CE;
Renata Aragão, de Juiz de Fora –MG;
Talita Prates, de Cajuru – SP;
Úrsula Avner, de Belo Horizonte –MG;
e, Wania Victoria, de Porto Alegre – RS.

A coletânea comporta “Apreciação Crítica” elaborada pela Professora Doutora em Literatura Comparada, pela UFRN, Ana Santana Souza de Fontes Pereira (UNP); “Apresentação” contextualizada de minha autoria; e “Posfácio” escrito por Nina Rizzi, que realiza considerações sobre a leitura de mulheres na obra de Renoir.
Hoje, 08 de março de 2010, “Dia Internacional das Mulheres”, compartilho com os leitores e leitoras do Novidades & Velharias parte das informações que envolve a publicação da obra coletiva Maria Clara: universos femininos, cuja editoração dar-se-á pela Editora LivroPronto (São Paulo-SP), com lançamento previsto para junho/julho deste ano.
O livro consiste, além de arte literária, instrumento de conscientização e liberdade em prol da singularidade na voz poética feminina; compondo mais uma página na (historio)grafia das mulheres. Página capaz de fundar, parafraseando Adélia Prado, reinos e linguagens.