
3 NASCE A CRIANÇA, SURGE O GÊNERO INFANTIL, RENOVA-SE A ESCOLA[1]
Apesar das mudanças crescentes no Renascimento, é somente nos fins do Séc. XVII e início do Séc. XVIII que se efetiva uma produção literária destinada ao leitor-criança.
De acordo com os estudos de Ariès (1978)[2], até meados dos séculos XVI e XVII, não havia uma distinção entre adultos e crianças - que compartilhavam das mesmas aventuras literárias -, já que não existia, ainda, o sentimento de infância.
A descoberta do sentimento de infância no Ocidente, durante a Idade Moderna, provocada pela formação de uma nova organização familiar em torno de núcleo unicelular que se preocupa em manter a privacidade e a permanência do patrimônio em torno da genealogia mais próxima, promove a expansão dos laços afetivos entre adultos e crianças.
Com a introdução do modelo burguês de família nuclear, a infância passa a ser valorizada e a criança vista com um “bem precioso” que necessita ser protegido das doenças, da mortalidade infantil e das mazelas sociais; e separado do convívio comunitário, sobretudo da perversidade moral adulta.
Aumenta o processo de escolarização, e a criança passa a ser merecedora de receber uma formação intelectual sistematizada, por meio de uma organização institucional renovada. Paralelamente em que se instauram e se consolidam as primeiras instituições que pretendem formar a criança, a Literatura Infantil aparece com finalidade utilitária, dogmática e moralizante a fim de preparar o novo convívio social, e inculcar, no espírito infantil, os valores necessários para o bom desenvolvimento ético e intelectual do futuro cidadão. Conforme Zilberman (2003, p. 15):
A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas igualmente meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação de suas emoções. Literatura e escola, inventada a primeira e reformada a segunda, são convocadas para cumprir essa missão.
O gênero Literatura Infantil surge de mãos dadas com a pedagogia, já que foram os pedagogos (séculos XVII e XVIII) os primeiros escritores a se dedicarem a uma literatura específica ao público criança. Compõe essa Literatura precursora para crianças a obra Orbis Pictus de Comenius - livro de imagens e/ou cartilha visual -, que almeja facilitar o processo de alfabetização.
Comenius (1592-1670) publica, além de escrever às crianças, A Didática Magna objetivando, conforme ideário universalista e humanismo cristão, orientar os mestres para que se fizesse possível “ensinar Tudo a Todos”, partindo do mais “simples (coisas) ao “complexo” (palavras).
Com a ascensão da burguesia, a deflagração da Revolução Industrial e a parceria “Literatura – Pedagogia” nasce uma Literatura “comprometida com a dominação da criança” (ZILBERMAN, 2003, p. 16). Muito embora, a educação humanista liberal tentasse instaurar uma pedagogia renovada, desprovida da rigidez enciclopédica, violências psicoafetivas e metodológicas dos colégios cristãos (escolástica).
3.3 Rousseau, a nova concepção e a condenação às fábulas
É durante o Séc. XVII que se expande, pela França, uma Literatura específica às crianças: As Fábulas (1668) de
Os escritores - valorizando a fantasia, a imaginação da criança e retomando as fontes orais da Tradição -, contrariam a Literatura erudita da época e voltam-se à infância. Na opinião de Meireles (1984, p. 99):
Esses livros não tinham apenas o objetivo de entreter a criança ou de transmitir-lhe noções morais. Muitos visavam [...] transmitir os conhecimentos necessários às várias idades da vida. [...] É quando melhor se podem observar os três aspectos da Literatura Infantil: o moral, o instrutivo e o recreativo.
Todavia, no Séc. XVIII, aparecerá um filósofo que não compartilha dessa opinião: Jean Jacques Rousseau (1712-1778).
O século XVIII, conhecido como o “Século das Luzes” ou “Iluminismo”, fora palco da efervescência das novas idéias educacionais com o pensamento revolucionário de Rousseau, expresso na grande obra O Emílio ou da Educação.
Rousseau - com base espiritualista e convicções sociais (bondade do homem / corrupção da sociedade), defende uma educação natural, conforme etapas distintas da vida da criança e sob a tutela de um único preceptor -, fará oposição às Fábulas de
Ensinamos as fábulas de
De acordo com muitos historiadores, as idéias de Rousseau repercutiram no Séc. XIX, na chamada Era Romântica, e oferecem tessitura ao naturalismo estético e ao fenômeno civilizatório que almejam construir o Novo Homem, capaz de sobreviver às intempéries da natureza (e da sua própria) e às convenções sociais (BOTO, 2002). Talvez por essas razões, O Emílio imaginário de Rousseau só devesse ter acesso a uma única obra: As aventuras de Robinson Crusoé (1719) de Daniel Deföe.
Notas:
[1] Trabalho apresentado pela professora Mestranda em Educação e Especialista
Então até mais ou menos o Iluminismo, as chamadas "preceptoras", que ensinavam dentro do ambiente familiar, seria melhor que os educandários?
ResponderExcluirQue longo percurso para aprimorar o ensino! Será que já está aprimorado?
Belíssimo e perfeito o seu trabalho.
Beijos
Mirze