quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Expressão feminina na poesia: Adélia Prado


Adélia Prado: liberdade à voz feminina[1]


Por Hercília Fernandes


Uma das maiores representantes da literatura feminina brasileira é a poetisa e escritora mineira Adélia Prado (1935)[2]. Sua voz despojada, simples, direta, e, simultaneamente, lírica. compõe marcas que definem o estilo incontestável da autora dentro do panorama atual da poética feminina.

A expressão lírica da poetisa, no entanto, não se apresenta carregada por sentimentalismos piegas - ao contrário! –, expande-se numa poética voltada para o conhecimento do eu, o questionamento do real e os valores ainda circundantes na sociedade.

A condição da mulher, as exigências sociais em torno das atribuições femininas e a missão humano-artística abraçada pela poetisa são elementos desencadeados por seu lirismo objetivo e, ao mesmo tempo, profético. Como se podem observar nesses traços:


Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

(PRADO, Adélia In: Com licença poética).


O amor romântico e os ideais utópicos consolidados a partir da ótica e conquista masculina servem-lhe de tessitura para a sua composição questionadora, sobretudo no tocante aos valores herdados ainda da tradição patriarcalista, paternalista e sexista que conferem ao gênero masculino a liberdade e o domínio nas relações afetivas e sócio-humanas; e, às mulheres, a contenção e abnegação dos sentimentos e os apelos sensuais.

A autora - com a suavidade que é lhe própria e contrariando as convenções impostas – indaga o amor romântico e apresenta certa preferência pelo amor real; àquele que, desraigado de ilusões, baseia-se no respeito mútuo, na liberdade de expansão e na igualdade entre os gêneros. Visto que, no dizer da poetisa, o amor feinho


[...] não olha um pro outro.

Uma vez encontrado, é igual fé,

não teologa mais.

Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo

e filhos tem os quantos haja.

Tudo que não fala, faz.

Planta beijo de três cores ao redor da casa

e saudade roxa e branca,

da comum e da dobrada.

Amor feinho é bom porque não fica velho.

Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:

eu sou homem você é mulher.

Amor feinho não tem ilusão,

o que ele tem é esperança:

eu quero amor feinho.

(PRADO, Adélia In: Amor feinho).


Com o olhar sob a realidade e as relações humanas, indagando os valores morais, as normas e convenções sociais, Adélia também expressa as inquietações profundas do seu eu-lírico e reflete o processo de mecanização dos sujeitos; que, sofrendo o peso das atribuições da vida moderna, desvinculam-se dos sentimentos espirituais, por ora essenciais para efetivar a vida humana, conforme se observa em “seu” ensinamento poético:


Minha mãe achava estudo

a coisa mais fina do mundo.

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

ela falou comigo:

"Coitado, até essa hora no serviço pesado".

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor.

Essa palavra de luxo.

(PRADO, Adélia In: Ensinamento).


Por essas e outras razões, a poética adeliana exprime, além dos sentimentos profundos do eu-lírico, uma concepção de homem e sociedade que busca romper com os valores então enraizados na realidade brasileira, dentre eles a crença nas “verdades” provenientes da ciência e, sobretudo, as exigências em torno do papel da mulher; isto é, de sua função social no emaranhado das relações humanas. Função que a própria Adélia profetizou enquanto “bandeira”. Já que, desde logo, a autora apresentara consciência do fardo que a sua condição de mulher a faria carregar; porém, sem desmerecer a sua luta, então aceita enquanto “sina”. Missão poética capaz de fundar “linhagens e reinos” já que a mulher apresenta-se como um ser “desdobrável” e, Adélia, sem pretender ser autoritária, disse: “Eu sou”!


OBRAS DE ADÉLIA PRADO

POESIA

Bagagem, Imago – 1976
O coração disparado, Nova Fronteira – 1978
Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira – 1981
O pelicano, Rio de Janeiro – 1987
A faca no peito, Rocco – 1988
Oráculos de maio, Siciliano – 1999

PROSA

Solte os cachorros, Nova Fronteira – 1979
Cacos para um vitral, Nova Fronteira – 1980
Os componentes da banda, Nova Fronteira – 1984
O homem da mão seca, Siciliano – 1994
Manuscritos de Felipa, Siciliano – 1999
Filandras, Record – 2001

ANTOLOGIA

Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira – 1978
Palavra de Mulher, Fontana – 1979
Contos Mineiros, Ática – 1984
Poesia Reunida, Siciliano - 1991
Antologia da poesia brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994
Prosa Reunida, Siciliano – 1999

SUGESTÃO DE LEITURAS: Ensaios, crítica e fortuna literárias


ENTREVISTA:


CONSULTAR BIOGRAFIA:


NOTAS:

[1] Para construção deste artigo utilizou-se das fontes indicadas como “sugestão de leituras”. E, a bibliografia da autora e os poemas utilizados foram extraídos do site Jornal de Poesia e do Projeto Releituras.

[2] Adélia Luzia Prado Freitas, filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa, nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935.


4 comentários:

  1. Eu sou aficcionado pela poética adeliana! E este texto do André Adriano Brun q vc menciona eu li!... kkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  2. Olá Deco, ou, melhor, André Adriano Brun (risos...).

    Fiquei muito feliz com a sua passagem pelo Novidades & Velharias. Também aprecio bastante a poética adeliana e a leitura do seu artigo: “Uma estética do equilíbrio: o motivo feminino na lírica de Adélia Prado” foi um dos motivos que incentivou a construção deste breve comentário.

    Agradeço a sua visita e, também, por se colocar como acompanhante do Novidades e Velharias.

    Sinta-se à vontade para apontar sugestões de leitura ou enviar textos de sua autoria. A casa está com as portas e janelas abertas para os seus trabalhos.

    Saudações poéticas,
    Hercília Fernandes.

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  3. Aliteração (PARA ADÉLIA, DECO E HERCÍLIA)

    A poesia catártica,
    galinha depois do golpe esperto
    no pescoço pelado a jorrar -,
    seleciona ritmos das internas obviedades,
    depõe o azinhavre ao retirar
    rebentos do arrisco.

    Arisca, cisca a esquecer-se dos
    que lhe penhoraram o olvido.
    Pouco era o doce que acabado
    derreteu-se no acalanto das burcas,
    Nossas Senhoras túnicas, buscas desertificadas,
    irmãs que apontam à submersão.

    Avizinhada do alento,
    certa saudade rompe o jugo da face inexistente,
    the non-existing face a emergir do passado,
    rosto púbere no tempo cristalizado,
    efígie que não reconforta,

    mas acende o artefato.

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  4. Belo poema, Rogério Santiago.

    Me sinto honrada fazer parte do grupo que você escolheu para dedicá-lo.

    Adélia é muito merecedora de suas palavras.

    Obrigada pela visita e o oferta do lindo poema.

    Abraços,
    Hercília.

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