quinta-feira, 26 de março de 2009

Jayme Bueno analisa a poesia de Hercília Fernandes


O professor paranaense Jayme Bueno publicou, em seu blog de estudos literários, uma matéria sobre o universo criador em minha poesia a partir de decomposições e contextualizações analíticas.

Jayme Bueno é professor universitário e pesquisador em literatura, autor de vários livros sobre a literatura portuguesa, destacando-se: Távola Redonda: uma experiência lírica (1983) e Aspectos da Poética de António Gedeão (1979). Dispõe de vasta participação em congressos de literatura, cuja recente explanação se desenvolveu a partir do tema Padre António Vieira, Escritor e Diplomata, em agosto de 2008, no IX Congresso AIL (Associação Internacional de Lusitanistas), na Universidade da Madeira, em Funchal-Portugal.

Em sua análise, o professor Jayme privilegia, através de seleção própria, os textos: Orvalho (Etimologia poética); Cavalo Alado e Maria Clara - este último resultante de um processo de intertextualidade com o poema Clara, de Caetano Veloso.

Além de esclarecer e decompor elementos imbricados em meus versos, o professor Jayme realiza uma apresentação poética de minhas origens e atividades profissionais; e, ao término, oferece-me um poema-homenagem que me deixou duplamente emocionada. Aproveito a postagem, então, para expressar o meu contentamento e gratidão ao ilustre educador Jayme Bueno pela realização deste estudo literário.

Passemos, agora, à análise:

A POESIA DE HERCILIA FERNANDES


Por intermédio de Tânia Azeredo, a Taninha, dos Blogs No rastro da poesia e no Rastro da educação, tomei contato com a poesia de Hercília Fernandes. Ela é uma mulher de muitos talentos: educadora, compositora de música popular, poetisa e escritora, não necessariamente nessa ordem. Talvez, simultaneamente, como todas as pessoas que se propõem a produzir trabalho, arte, cultura.

Com dois livros publicados, Retrato de Helena, 2005, e Agá-Efe: entre ruínas e quimeras, 2006, Hercília Fernandes já faz parte do mundo das letras. Como professora e pedagoga, atua na educação fundamental e na universitária, em seu estado natal, o Rio Grande do Norte. É Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal. Na área da educação, é também Especialista em Educação Infantil pela mesma UFRN – Centro de Ensino Superior de Seridó, em Caicó, sua terra natal, no extremo sul do estado potiguara.

Escreve versos desde muito jovem. Como confessa, aprendeu a construir seus sonhos na paisagem do sertão. Talvez, a brancura do algodão do Seridó, a brisa da serra da Borborema, aliados à beleza dos bordados da região foram o alento poético da sua meninice e que se solidifica agora na juventude. Hercília Fernandes mantém os Blogs HF diante do espelho e Novidades & Velharia. Como não tive ainda acesso aos livros de Hercília Fernandes, recolhi em diferentes blogs os três poemas que seguem:


ORVALHO (Etimologia poética)



Favor não me chamar:

ervilha
lentilha
milha
qualquer coisa terminada em ilha!

Gosto das mil miudezas...
Aprecio deveras poesia-ilha
Porém, my name is
Hercília!

Me chame orvalho.
Lágrimas aquecem o tom matinal
dispersam tempestades após labores e silêncios.

Me chame firmamento
Jardim em flor desbravando litoral
Rósea cor, purpurina, a-normal
Mas, favor não me chamar

ervilha
lentilha
milha
qualquer terminação em ilha

Meu nome é orvalho
natural-mente
Hercília!


Neste poema, dá-se atenção ao trabalho com a palavra. Da palavra Hercília, o seu nome, a poetisa deriva, foneticamente, ervilha, lentilha, milha e a terminação ilha. Esta última, porém, embora uma terminação, assume o seu próprio sentido como palavra, o substantivo ilha. Assim, passa a significar, plurivocamente, um acidente geográfico, mas que, muito frequentemente, tanto poética como filosoficamente, torna-se metáfora de homem ou de mulher. É comum dizer-se que ninguém pode ser uma ilha. Todos nós necessitamos de outras pessoas, sejam familiares, amigos, pessoas amadas, enfim o outro, para nos completar e dar sentido à nossa existência.

Além desse trabalho paronomásico, a poetisa trabalha também com a formação das palavras. Assim grafa poesia-ilha, a-normal e natural-mente. Na primeira, a palavra ilha aparece na formação da palavra composta poesia-ilha. Em a-normal, dá-se a formação de uma nova palavra com o prefixo negativo a. Por fim, em natural-mente, temos uma formação com o sufixo mente, que pode aproximar-se ao verbo mentir, sinônimo de fingir, usado frequentemente para evidenciar o aspecto ficcional do texto. Não se pode também desprezar o emprego da expressão em língua inglesa my name is. Os estrangeirismos, ao lado de arcaísmos e de neologismo constituem fortes recursos poéticos.

ORVALHO (Etimologia poética) traz no título o alerta de ser um poema que busca a própria etimologia dos seus termos. E o termo nuclear do poema é o próprio nome da autora: Hercília.

É assim que leio o poema Orvalho, de Hercília Fernandes.


CAVALO ALADO


Fiquei triste!
De repente todo manto azul do céu
desabou sobre mim.
Ao tocar minha pele, aquele azul-celeste,
claro feito neve, coloriu-me de carmim.

Claro! Eu não dei por mim.
Precisava mais de poesia:
escura, difusa, tardia
faria luz à minha nostalgia.

Claro! Eu desejei o cetim.
Com todos os seus festins.
Eu precisava demais de folia
para emoldurar a minha melancolia.

Claro! Tudo foi só um sonho
Um engano desenganado:
claro - como é o orvalho,
escuro - como é o pecado.

Claro... O sonho se foi num cavalo alado!


Este é um poema que estrutural e semanticamente privilegia, em especial, o elemento cromático e a rima, além da duplicidade semântica natural de toda poesia.

Quanto ao elemento cromático, que se alia às antíteses, aparecem explicitamente “manto azul do céu”, “azul celeste”, “carmim”; e, implicitamente à cor do, a “cetim”, que geralmente se apresenta colorido. Há, ainda, o “claro orvalho” em oposição ao “escuro pecado”. Essas oposições desembocam em um autêntico paradoxo: “engano desenganado”. Esse é o estado em que o eu poético mergulha.

É esse estado poético, já emergente nas contradições da primeira estrofe: “azul celeste, claro feito neve, coloriu-me de carmim”. Isso desencadeia, na segunda estrofe, uma sequência de rimas pelo emprego das palavras: poesia, tardia, nostalgia, folia, melancolia. E isso constitui o festim desejado.

A duplicidade semântica aparece acentuadamente no último verso com a palavra Claro. O termo Claro tanto pode referir-se à brancura do sonho, como representar uma expressão afirmativa, que surge em frases como, por exemplo, "Claro que isso acontece...".

Como motivos principais, aparecem a tristeza e a desilusão. O poema inicia com o verso “Fiquei triste” e continua registrando “minha nostalgia”, “minha melancolia”, para encerrar-se com “O sonho se foi num cavalo alado!”.

O cavalo branco, ao voar, leva o sonho. É a perda, o esvair-se do sonho.


MARIA CLARA

Maria Clara
clara
alva
rara
Maria.

.............................................Ria
.............................................ia
.............................................subia
.............................................clara à luz do dia


Minha cara,
Clara
minha!


..............................................Doce flauta,
..............................................serena,
..............................................silencia.


Minha causa
fada minha!


..............................................Rara
..............................................tão alva
..............................................Clara,
.
.............................................tanto bem,
..............................................Maria!


Neste poema, Hercília Fernandes trilha o experimentalismo. A disposição das estrofes - que ocupam diferentes espaços na página em branco - vai ao encontro de uma das primeiras formas experimentais da poesia que depois foi também denominada poesia concreta, como se prefere no Brasil, ou experimental, denominação mais presente na literatura portuguesa. Essa é uma contribuição, principalmente, da poesia de Mallarmé, com o poema Un coup de dés.

Com o aproveitamento dessa técnica, a poetisa passeia pelos recursos do concretismo com bastante facilidade. Da similaridade formal da palavra passa para a diferenciação semântica, como em “Maria Clara”, “Clara”, “Alva”. Nessa sequência, há a passagem de Clara (substantivo próprio), para Clara (adjetivo) e finalmente um sinônimo da segunda palavra, o também adjetivo Alva. De modo semelhante, continua na segunda estrofe, embora com outras derivações: Ria, que evolui para ia, para subia e para dia, sempre com a terminação ia, que aparece na primeira palavra. Segue em frente explorando o processo em: cara, Clara, causa. Na última estrofe, surge Rara, próxima foneticamente de cara e de Clara.

Como figuras, aparece a metáfora sinestésica "Doce flauta", seguida da assonância serena, silencia.

Para concluir, é interessante notar que o texto inicia com Maria e termina com Maria. É como o fechamento de um círculo e como, também, a expressão viva da circularidade do poema, uma das características da poesia concreta.

Com os comentários, procurei mostrar um pouco da riqueza e da complexidade da poesia de Hercília Fernandes. Espero que a poetisa continue com sua produção poética, para satisfação de seus leitores, dentre os quais me incluo.

Para encerrar, envio uma homenagem à Hercília e à sua terra natal.


Sertão. Seridó.
Na beleza da brancura
a flor de Caicó.

Jayme Bueno.


Nota:

[1] A próxima matéria organizada, especificamente, por Hercília Fernandes, no Novidades & Velharias, será o Café Literário Virtual com o Poeta Romério Rômulo; que, conforme comunicação em e-mail, estará enviando suas considerações, às indagações propostas, nesses próximos dias.



9 comentários:

  1. Minha querida amiga,

    transcrevo aqui o que escrevi em comentário no blogue do Prof., Jayme Bueno.

    Os meus parabéns!
    Estou orgulhoso.

    Vicente

    "Senhor Professor,

    quem sou eu para lhe dizer qualquer coisa sobre o conteúdo da sua análise técnica, que gostei imenso.

    No entanto, tomo a liberdade de acrescentar uma coisa que o Senhor Professor também já sabe:
    A razão da escrita da Hercília ser tão boa é porque é sentida. Dela enama um perfume profundamente humano, que só, na minha opinião, uma pessoa de valores e caracter é capaz de expressar.

    Conheci a Hercília através da internet. Ela deu-me a dádiva da amizade. Tenho-a no coração e procuro honrar o que dela recebi. Por isso, não falo para a agradar.

    A Hercília, e as palavras dela, enriquecem a existência de todos nós.
    Como tal, é merecedora de todo e qualquer reconhecimento que lhe façam. E nenhum será demais!

    Os meus parabéns a ambos!

    Receba os meus melhores cumprimentos,
    Vicente Ferreira da Silva
    Porto, Portugal."

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  2. Vicente, querido amigo.

    Fiquei muitíssimo emocionada com a sua expressão sincera de carinho, traduzida em generosas palavras. Não sei se as mereço, mas muito me comoveram.

    Agradeço-lhe por ter se dirigido ao blog do Prof. Jayme que, com notória sensibilidade e lucidez analítica, realizou este belo estudo sobre as curvas-linhas de minha poesia.

    Forte abraço, grande poeta e ser humano!

    H.F.

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  3. Parabéns Hercília. A análise de Jayme Bueno sobre a sua poesia é muito interessante. Gostei de ler.
    Obrigada por partilhar, aqui. Um beijo.

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  4. Graça, querida amiga e poetisa.

    muito obrigada pela leitura da análise do prof. Jayme.

    O estudo feito pelo ilustre educador tem-me sido uma grande felicidade. E, é sempre muito bom compartilhar as alegrias com os amigos.

    Forte abraço,
    H.F.

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  5. Hercília (H.F.),

    estive no blog de literatura do prof. Jayme Bueno e lá escrevi uma opinião melhor formulada sobre a análise, por isso venho em seu post, novamente, compartilhá-la:

    ""Prof. Jayme Bueno.

    Como leitora da Hercília (H.F.), não poderia deixar de vir parabenizá-lo por tão cuidadoso trabalho.

    O senhor demonstra grande habilidade em suas decomposições literárias. E, no caso da análise da poesia da H.F., percebi que o senhor realiza uma hermenêutica com base em palavras-chave localizáveis nas escritas da autora, dentre elas a palavra "clara".

    Excelente norte de significação. Sombra e Luz, ou "albor" e "escuridão" são bons caminhos para interpretação da poesia alva e, ao mesmo tempo, profunda de nossa poetisa seridoense.

    Parabenizo também por seu poema-homenagem, pois fecha com "chave de ouro" o círculo analítico proposto. Revivendo-o:

    Sertão. Seridó.
    Na beleza da brancura
    a flor de Caicó.

    Forte abraço, ilustre educador!

    Saudações literárias,

    Maria Clara (uma apreciadora das boas letras)"".


    NOVAMENTE, RECEBA OS MEUS CUMPRIMENTOS E PARABÉNS.

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  6. Belíssima a análise do Professor Jayme Bueno. A poetisa Hercília tem um alto nível intelectual e nós, seus amigos somos os premiados.

    Parabenizo a ambos

    Abraços

    Mirse

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  7. *Maria Clara,

    novamente muito obrigada por suas palavras. Sua leitura e compreensão analítica muito me emocionou.

    *Mirse,

    muito grata, minha amiga, por suas palavras e carinho expresso.

    Forte abraço, minhas queridas!

    H.F.

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  8. Belos poemas.
    Abs,
    Laura Diz
    Vim pelo rastro do romério, tb estou no portal do nassif:

    http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/04/26/o-poeta-do-blog/

    este mundo virtual...
    ah! moro em Natal, perto de vc :)

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  9. Obrigada, Laura, por sua vinda e comment. Irei conhecer o seu trabalho, será um prazer.

    Beijos:)
    H.F.

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