Uma página na historiografia das mulheres
Por que a ciência nos é inútil?
Porque somos excluídas dos encargos públicos.
E por que somos excluídas dos cargos públicos?
Porque não temos ciência.
Nísia Floresta.
No meio literário e acadêmico muito se discute sobre a existência de um eu-lírico feminino, particularmente na poesia.
Alguns defendem que não se pode realizar uma definição, posto que o que se considera “voz feminina” não é a escrita como produto de um sexo ou de outro, mas a evidência de alguns elementos de composição, dentre eles a pausa e o silêncio, a subjetividade e a introspecção, a intensidade emotiva, a imagística e o mistério..., atributos próprios do lirismo feminino.
Todavia, mesmo que se considere que alguns traços do lirismo feminino possam também povoar o imaginário poético masculino, onde se podem vislumbrá-los na poesia contemporânea, como na produção poética de Fred Matos, do blog Nas horas e horas e meias. É preciso ponderar que a problemática envolve complexidade, tendo em vista que a escrita literária comporta valores e regras próprias a cada época e contexto. Resulta, portanto, de um “ponto de vista” que, por sua vez, decorre da soma de interações que o artista realiza com a cultura e tempo histórico.
A meu ver não se pode estabelecer universalidade entre vozes masculinas e femininas porque homens e mulheres são portadores de valores e experiências condizentes aos múltiplos determinantes que envolvem os papéis sociais no emaranhado das relações humanas. Isso significa que a produção literária, seja ela elaborada por homens ou mulheres, comporta especificidades que requer o exame de uma categoria configurada historicamente: a de “gênero”.
Por mais que um(a) poeta/poetisa, escritor/escritora habilidoso(a) possa falsear literariamente a realidade, expandindo na obra uma percepção feminina e/ou masculina sobre as relações humanas, através da descrição das ideias, representações e comportamentos de suas personagens e/ou mesmo de sua subjetividade, ainda assim configurará um ponto de vista intrínseco a um "eu-lírico generificado".
Assim, entende-se que o entendimento da problemática não condiz a uma explicitação natural, portanto biológica do fenômeno. Outrossim, envolve uma discussão que privilegia o exame dos papéis que homens e mulheres desempenham em suas práticas sociais cotidianas.
No tocante à poesia elaborada por mulheres faz-se necessário relembrar que, nós autoras, somos herdeiras de um longo processo histórico de silêncios, interditos e mutilações, cujas ressonâncias ainda operam marcas na atualidade. Até pouco tempo, as mulheres escritoras, de um modo geral, para expressar opiniões, ânsias e reivindicações eram obrigadas a fazer uso de pseudônimos e/ou se esconder em véus metafóricos; expandindo uma escrita que, em síntese, nada almejava expressar além de “silêncio”. Silêncio que as mulheres se encontravam submetidas no cotidiano social.
Hoje, após anos de lutas, retrocessos e vitórias, percebe-se que há um movimento de resistência e negação aos ditames da “tradição falocêntrica” que, aliada à filosofia e aos valores cristãos, qualificara a escrita feminina, no Ocidente, como algo de segunda grandeza... Isso porque, até pouco tempo, as mulheres eram privadas de informação, cultura e conhecimento educacional formal, já que as suas maiores qualidades residiam, sobremaneira, às “alegrias e elevações da maternidade”...
Esse discurso ideológico oriundo do pensamento iluminista, no dizer da crítica Nelly Novaes Coelho, encontra-se em “crise” e o que se percebe é que a escrita elaborada por mulheres, a cada dia, toma maior consciência da singularidade da voz poética feminina. Singularidade que comporta “diversidade”, já que cada autora porta valores e representações várias, além de múltiplas vivências com a leitura e a linguagem literária.
Essas são algumas das concepções e considerações compartilhadas que guiam a organização da obra "Maria Clara: uniVersos femininos". Livro coletivo que, brevemente, se encontrará disponível nas livrarias e sites para aquisição dos leitores.
A obra consiste uma coletânea de poemas composta por 12 poetisas que atuam em espaços pessoais na Internet e, simultaneamente, integram o blog/projeto voltado à apreciação de poesia feminina, sob a minha coordenação, Maria Clara: simplesmente poesia.
Contrariamente às práticas de publicações femininas realizadas em séculos anteriores, onde as escritoras adotavam pseudônimos para expansão de suas vozes, os capítulos que compõem a obra Maria Clara: universos femininos apresentam-se intitulados com os próprios nomes das autoras e/ou com as imagens que lhes são pertinentes. São elas, por ordem alfabética:
Adriana Godoy, de Belo Horizonte – MG;
Adriana Riess Karnal, de São Leopoldo – RS;
Hercília Fernandes, de Caicó – RN;
Lara Amaral, de Brasília – DF;
Lou Vilela, de Recife – PE;
Maria Paula Alvim, de Belo Horizonte –MG;
Mirze Souza, do Rio de Janeiro – RJ;
Nina Rizzi, de Fortaleza – CE;
Renata Aragão, de Juiz de Fora –MG;
Talita Prates, de Cajuru – SP;
Úrsula Avner, de Belo Horizonte –MG;
e, Wania Victoria, de Porto Alegre – RS.
A coletânea comporta “Apreciação Crítica” elaborada pela Professora Doutora em Literatura Comparada , pela UFRN, Ana Santana Souza de Fontes Pereira (UNP); “Apresentação” contextualizada de minha autoria; e “Posfácio” escrito por Nina Rizzi, que realiza considerações sobre a leitura de mulheres na obra de Renoir.
Hoje, 08 de março de 2010, “Dia Internacional das Mulheres”, compartilho com os leitores e leitoras do Novidades & Velharias parte das informações que envolve a publicação da obra coletiva Maria Clara: universos femininos, cuja editoração dar-se-á pela Editora LivroPronto (São Paulo-SP), com lançamento previsto para junho/julho deste ano.
O livro consiste, além de arte literária, instrumento de conscientização e liberdade em prol da singularidade na voz poética feminina; compondo mais uma página na (historio)grafia das mulheres. Página capaz de fundar, parafraseando Adélia Prado, reinos e linguagens.
Hercília querida
ResponderExcluirA riqueza da escrita, para mim, reside justamente neste diversidade de gêneros. Com certeza, nós mulheres ainda temos uma boa caminhada para que os nossos UniVersos se expandam cada vez mais!
Amiga, por certo, não existirá dia mais apropriado para divulgar o nosso livro: Maria Clara UniVersos femininos do que este!
Bela escolha, belo texto!
E um prazer muito grande poder fazer parte deste projeto e unir a minha voz junto com a voz de cada uma das poetisas que compõe o nosso livro! Que o nosso grito chegue longe...
Bj carinhoso para ti!
Hercília!
ResponderExcluirVocê é mestra nestas explanações, o que surpreende é o modo como enfoca o universo feminino atual, que abre as portas para uma nova página da literatura feminina.
Sinto-me orgulhosa e feliz por fazer parte desta equipe e ser diretamente dirigida por você, que tanto nos ensinou, independente de horas fáceis e difíceis da sua trajetória de vida.
Agradeço e ressalto a bela surpresa no Dia Internacional da Mulher.
Beijos
Mirse
Hercília,
ResponderExcluirmuito linda a sua iniciativa
de expor o nosso projeto
em data tão significativa!
Saiba que é um grande prazer
integrar este trabalho,
organizado por você
com tanto zelo e competência!
Um grande abraço!
Estou ansiosa para o lançamento e feliz por fazer parte deste universo.
ResponderExcluirÓtimo texto para explicar o projeto, Hercília, que é uma ideia maravilhosa sua!
Beijos!
HF, ainda que não me sinta inteiramente convicta de um universo inteiramente feminino, mesmo fazendo parte dele(por exemplo, nessa coletânea) suas palavras são de extrema qualidade. Mesmo que eu relute, acho que vou acabar me convencendo. Excelente artigo, HF, bom fazer parte disso tudo aí. beijo.
ResponderExcluirA minha alegria por estar entre vocês chega a me fazer calar!
ResponderExcluir- quero só SER alegre, só ser!
Obrigada, Hercília.
Por tudo.
Bjo!
PS: sou de Cajuru, não Ribeirão. rs
Meninas,
ResponderExcluirfeliz estou com a concretização do nosso sonho, me desculpando pelo abuso de pleonasmo: "Sonho sonhado junto!"
Ontem, Dia Internacional das Mulheres, foi um marco de comemoração, aponta para um novo amanhecer.
Feliz que tenham apreciado o post.
Um beijo em todas vocês!
H.F.
Ah, minhas queridas, perdoem-me por ter confundido as origens de algumas das autoras. É que compus a escrita com as labaredas da memória, sem fazer consultas.
ResponderExcluirNovamente, beijos.
H.F.
Oi Hercília,
ResponderExcluirexcelente postagem ! A cada dia aprendo mais com suas ricas explanações sobre a poesia, a arte literária e agora sobre o lugar da mulher ou o papel feminino no universo poético. Gostei muito e estou na expectativa de que em breve o livro esteja disponível ! Bj com carinho,
Úrsula Avner
Veja só, Hercília. Cerca de 10 anos atrás discutíamos em uma lista de poesia que eu integrava se há ou não uma poesia masculina (não necessariamente escrita por homem) e uma poesia feminina (não necessariamente escrita por mulher). Como é natural as opiniões se dividiram e eu nem me lembro qual foi a minha, mas me lembro que a minha poesia foi citada, na época, como uma poesia de característica eminentemente masculina e, na outra ponta, o poema amigo, Adair Carvalhais, também participante do grupo, como sendo um poeta com uma escrita feminina. Como agora você me dá este laurel, eu passo a integrar o grupo dos que crêem que, sim, há vozes femininas e vozes masculinas na poesia, mas que, porém, o mesmo autor, seja por absoluto domínio técnico da escrita, seja por influência temática ou de uma circunstância, pode navegar todas as possibilidades poéticas.
ResponderExcluirMas é só uma opinião apressada, de quem chega de viagem, cansado, mas não consegue deixar para mais tarde a oportunidade de agradecer a gentil citação, bem como de parabenizar as amigas pelo projeto que, tenho certeza, será bem sucedido.
Beijos
Excelente explançaão/apresentação, Hercília, em oportuna data!
ResponderExcluirEspero estarmos 'circulando' o mais breve possível. ;)
Beijos para todas!
Ah! e eu sou de Natal (mas resido em Recife desde os 3 aninhos de idade - não faz tanto tempo. rsrs)
ResponderExcluirBjkas
Hercília,
ResponderExcluirEstou muito honrada defar parte desses UniVersos femininos...agradeço sua voz por guiar um projeto tão belo.Seu texto tem muita consciência.
Parabéns a todas as mulheres que estão nessa coletânea. Vocês escrevem com a alma, por isso as suas poesias são tão admiradas.
ResponderExcluirGrande abraço e sucesso a todas!