sábado, 24 de abril de 2010

Das (inter)subjetividades


 
.......Consiste uma atividade saudável e enriquecedora na Blogosfera a construção de diálogos poéticos entre os escritores.
.......Através da intertextualidade os poetas configuram inúmeras interações, participam da fruição literária e apontam para múltiplas ressignificações. Participam ativamente do processo de criação artística em meio a um fenômeno que costumo chamar de “intersubjetividade poética”.
.......Dentre as intersubjetividades existentes em o HF diante do espelho, espaço pessoal voltado à poesia, destacam-se parcerias com o poeta e escritor Fred Matos - do blog Nas horas e horas e meias -, autor dos livros "Eu, meu outro" (Poesia Diária: 1999) e "Anomalias" (Kelps: 2002)
.......Para composição desta postagem selecionei alguns poemas que estabelecem diálogos com Fred Matos e concluo o post com o poema "Subjetividades", também de sua autoria e a mim ofertado.
.......Passemos à apreciação das escritas:




O café dormido
A manteiga ranzinza
O leite perecido
O queijo minguado
A maçã carcomida
O pão aguado...

: isso e beijo água & sal

***

há dias em que não se aguen-
tudo parece perecível,
: minguado

hercília fernandes

***

Meus dias sem juízo


há dias em que tudo conspira contra mim:
chove apenas porque ansiava o sol e o mar
o trânsito engarrafa porque tenho pressa
qualquer olhar é uma ameaça
qualquer sorriso uma ironia
qualquer palavra uma afronta
nenhum café é forte e quente
nenhum carinho suficiente
nenhuma cerveja é
suficientemente gelada,
nenhuma mulher é bela
não rio de nenhuma piada

há outros em que o clima não importa
nenhuma adversidade é intransponível

e sou até capaz de rir de mim
se me lembro dos meus dias sem juízo

fred matos

***


Ao poeta Fred Matos


Ainda que eu quisesse
não saberia como agraciar.
Jamais fui referência postular
Não carrego a benevolência
da madre Tereza de Calcutá.
Se existe céu ou inferno
não cabe a mim pronunciar.
Embora, em seus mistérios,
a humanidade ora padeça
[ ilesa ] de purgatório
: peleja secular...

hercília Fernandes

***

conquanto não sejas santa
com certeza não és nem será
a madre tereza de calcular
exceto que calcules sílabas
com um metrônomo acústico
que eu, nos meus versos rústicos,
não saberia como usar

mas na peleja secular
entre a fé e a ciência
uso um metrônomo pendular
que hora está aqui, hora está lá
hora está aqui, hora está lá
hora está aqui,
hora está lá

fred matos

***

À amiga e poeta Hercília Fernandes



convencionemos inicialmente
que isto será um poema.

não creio que possa
causar a alguém algum
problema aceitar
que a aparência
não define a natureza,
a aparência
não define a natureza

a aparência
não define a natureza a aparência
não define a natureza

bem como que a
subjetividade determina,
entre outros,
o conceito de beleza

sendo assim,
imaginemos que
de repente,
feito Samsa,
façamos-nos

[omitamos aqui qualquer adjetivação]

um animal
que não nos causaria asco
se não estivéssemos
condicionados aos conceitos

se não estivéssemos
condicionados aos conceitos
aos pré-conceitos

por sua vez
subordinados aos padrões
da época
e das suas circunstâncias

pausa para os nossos comerciais

este poema é um oferecimento
do magazine Casas da Ilha
produtos de qualidade
para a mãe e para a filha

zapeando para outro canal:

um homem sonha e ronca
raízes saindo pelos olhos
tronco pela boca elástica

imaginemos que
de repente,
feito Samsa,
façamos-nos
um inseto
olhos imensos
antenas
boca larga
corpo polido

qual seria então
a nossa orientação estética

a nossa orientação

orientemo-nos
se não pela constelação do cruzeiro
do cruzeiro
do cruzeiro do sul

orientemo-nos
se não pela constatação de que a aranha
a aranha

a aranha não tem asas
poetas não têm asas

poetas não têm asas mas voam

orientemo-nos pela desorientação
desorientemo-nos
descolemo-nos dos conceitos
desconceituemo-nos
descondicionemo-nos

mas se não der
convencionemos que um poema
é uma convenção

uma convenção
uma convenção
uma intenção
uma intervenção
uma inversão

uma invenção

um oferecimento
do magazine Casas da Ilha
produtos de qualidade
para a mãe e para a filha

fred matos


6 comentários:

  1. Dupla incrível!

    Bom relê-los.

    Beijo!

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  2. Em primeiro lugar, receba, Hercília um abraço apertado pelo seu aniversário.

    Os diálogos só poderiam resultar em exuberância, uma vez que se trata de poetas de grande porte na blogosfera.

    Belíssima postagem!

    Dobram os sinos...
    Dobram os parabéns!

    Beijos

    Mirse

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  3. Lara,
    me alegra que sinta assim. Obrigada pela visita!

    Mirse,
    muito obrigada, amiga, pelas palavras expressas. Seu carinho me faz enorme bem!

    Um forte abraço, minhas queridas!
    H.F.

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  4. Sintonia, é esse o dom...
    Beijos Hercilia e Fred.

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  5. Hercília, sabes q sou tua grande fã, não é? Junto com o ótimo Fred, vcs arrasam. a-do-rei!

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  6. Hercília,

    Estava viajando, passei quase 20 dias fora, e só agora estou vendo. Obviamente que fiquei muito comovido e contente também pelos comentários recebidos.
    Obrigado, poeta.
    Beijos

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