“Por
trás de um grande homem há sempre uma grande mulher...”
(Dito
popular)
A novela global
"Lado a lado", cuja exibição do último capítulo dar-se nesta
sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional das ‘Mulheres’, tem evidenciado a
recentidade histórica das múltiplas violências, físicas e simbólicas, que
submeteram as mulheres brasileiras, no entre-séculos, aos ditames de uma
"poética do silêncio".

No
entre-séculos, as mulheres que contestavam as interdições impostas pela
mentalidade tradicional, além de serem percebidas por categorias masculinas que
as denegriam ideológica e moralmente, eram proscritas socialmente pela própria
família, sendo afastadas do convívio afetivo imediato, muitas vezes sentenciado
pela figura da “matriarca”, mulher de poder da tradição, e legitimado pela
ciência mental, a psiquiatria.
No caso da
atuação da mulher escrevente, as publicações, a imprensa e os meios de
comunicação em geral contribuíam para reforçar a negação das identidades das
mulheres enquanto sujeitos históricos. O que exigira por parte das escreventes
a adoção de mecanismos correspondentes à mentalidade e aos comportamentos
sociais aceitáveis, que lhes impunham modelos de criação tidos como ideais, além
de assinaturas anônimas ou uso de pseudônimos masculinos.
Esse estado de
coisas remete à noção de que a dominação masculina impõe uma “ordem” que atua:
“como um mercado
dos bens simbólicos dominado pela visão masculina: ser, quando se trata das
mulheres, é [...] ser percebido, e percebido pelo olhar masculino ou por um
olhar habitado pelas categorias masculinas – as que se aplicam sem que seja
possível enunciá-las de modo explícito, quando se elogia uma obra de mulher
porque ‘feminina’ ou, pelo contrário, ‘nada feminina’. Ser ‘feminina’ é
essencialmente evitar todas as propriedades e práticas que podem funcionar como
signos de virilidade, e dizer de uma mulher de poder que é ‘muito feminina’ não
é senão uma maneira particularmente suctil de se lhe denegar o direito a esse
atributo propriamente masculino que é o poder” (BOURDIEU, 1999, p. 86).*
Todavia, o
movimento feminista crescente, as diversas transformações ocorridas no mundo ao
longo dos anos, bem como os estudos histórico-culturais, têm colaborado para que
se possa pensar as mulheres em contextos diferenciados e a partir de categorias
que problematizam sentidos ideológicos hegemônicos, incluindo o desmerecimento
e/ou, simultaneamente, a preferência pelo “feminino”. Categoria essa que
ocasionara a inversão da realidade histórica, já que as mulheres não se
apresentavam dóceis e frágeis (ainda se apresentam?) ou escreviam sentimentalidades
e trivialidades do cotidiano (ainda escrevem?) devido as suas particularidades
biológicas. Muito embora atributos como afetividade, sensualismo, capacidade
interpessoal de se ver no lugar de outrem, de doar-se... figurem igualmente no
ser e estar femininos, considerando que constituem, para além das faculdades
naturais predeterminadas pelos dons da maternidade, heranças simbólicas suscetíveis
a continuidades e rupturas.
E dentro das
continuidades e rupturas, a luta pelo fortalecimento da identidade das mulheres
pautada no “empoderamento” das singularidades históricas femininas consiste,
ainda, uma tarefa desafiadora para o século XXI.
Em meio às
mudanças paradigmáticas e estruturas contemporâneas, os sujeitos homens e
mulheres vêm caminhando “lado a lado”? Têm recebido as mesmas oportunidades de formação?
De acessibilidade e, igualmente, de questionamento e posicionamento crítico diante o mercado de bens
simbólicos da humanidade? De inclusão e expansão de suas diversas formas de expressão? Enfim, de empoderamento humano nas diversas práticas e demandas do século XXI? Ou
têm se preservado, lacunar e veladamente, sobretudo em grupos histórica e socialmente
marginalizados, o velho imaginário de que “por trás de um grande homem há sempre
uma grande mulher”?
Hercília Maria Fernandes
Cajazeiras, 8 mar. 2013.
Referência:
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Oeiras: Celta, 1999.
Imagens:
Cenas da novela "Lado a lado", produzida pela Rede Globo.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Oeiras: Celta, 1999.
Imagens:
Cenas da novela "Lado a lado", produzida pela Rede Globo.
Sugestão de
Leitura:
Voz Poética Feminina na Era Blog: Os Casos da Maria Clara (Fernandes, Hercília; 2010, in
Línguas & Letras).