Hercília Maria Fernandes
Professora Doutoranda
CFP-UFCG / UFRN
RESUMO: O texto constitui parte analítica do artigo:
Voz Poética Feminina na Era Blog: "Os
Casos da Maria Clara", publicado na Revista Línguas e Letras, Unioeste, Vol. 12, n. 23, 2011. O artigo expande
a ideia de que a poesia feminina, na produção contemporânea, transcende aos
valores da tradição falocêntrica e do misticismo religioso que, em períodos
anteriores, contribuíram para sufocar vozes; remetendo as mulheres, em suas
práticas de leitura e escrita, à expansão de uma “poética do silêncio”. O texto
desenvolve alguns elementos imbricados na criação feminina atual, situando a
poesia elaborada por mulheres, na virtualidade, como uma escrita que se define
pela diversidade de atmosferas, temas e linguagens. Para tal feito, o artigo
apresenta os dados de uma vivência literária desenvolvida na Internet por doze
autoras que se encontram em diversas localidades do Brasil e apresentam
formações e atuações profissionais várias em suas práticas cotidianas. Com
essas atitudes, o estudo, ao debater a multiplicidade que perpassa a produção
poética de mulheres na contemporaneidade, situa “os casos” da obra “Maria
Clara: uniVersos femininos” - coletânea nascida em um novo espaço de escrita e
textualização -, no cerne das discussões sobre gênero e poesia.
PALAVRAS-CHAVE:
Gênero e poesia. Era blog. Maria Clara: uniVersos femininos.
Introdução
A Internet, com seus
múltiplos espaços de comunicação e informação, tem contribuído para formar uma
nova racionalidade pautada na “subjetividade opinativa” (RODRIGUES, apud
CERQUEIRA; RIBEIRO; CABECINHAS, 2009, p. 117). Diversos sujeitos sociais, então
excluídos dos meios tecnológicos convencionais, têm experimentado, através dos
espaços virtuais, dentre eles os blogs, o prazer de difundir as suas ideias
e sentimentos; participando mais ativamente da produção de linguagens e
saberes.
No tocante à participação
das mulheres, verifica-se um grande número de escritoras e poetisas na
virtualidade. Na Blogosfera, cenário virtual que aglomera inúmeras propostas de
escrita e leitura literárias, dentre elas a poesia, as mulheres têm vivenciado
uma oportunidade ímpar de construção de “um teto todo seu”. Buscam instaurar a
identidade de suas vozes que, na contemporaneidade, se concebe heterogênea e,
simultaneamente, portadora de singularidades. Entretanto, a busca pela
identidade das vozes femininas não condiz, exclusivamente, ao direito à
expressão. Mas, simultaneamente, à afirmação das singularidades que permeiam as
vidas das mulheres. Tendo em vista que os gêneros são construções históricas,
aos quais foram atribuídos diferentes papeis nas práticas sociais, cujas
ressonâncias delimitaram subjetividades e relações de poder entre homens e
mulheres (BOURDIEU, 1999; SCOTT, 1990).
Dessa maneira, contrariamente
aos cânones literários que desprestigiam a criação poética feminina, compreende-se
que as mulheres contemporâneas – detentoras de formações, leituras e inúmeras
experiências de mundo -, buscam expandir um discurso em que o “eu” das mulheres
se apresenta, de fato, “feminino”. Tal realidade implica em uma percepção
pautada nas distintividades de seus próprios universos, nas suas diversas
maneiras de sentir, refletir e, consequentemente, externalizar o mundo.
É dentro desta
perspectiva de análise que se concebe a composição poética de 12 autoras que
integram o blog voltado à apreciação de poesia feminina Maria Clara:
simplesmente poesia[1]; cuja proposta online resultou na publicação do
livro Maria Clara: uniVersos femininos. Obra estruturada em 256 páginas
distribuídas em “apresentação”, “prefácio”, “12 capítulos” e “posfácio”. Tendo
sido publicada pela LivroPronto Editora, de São Paulo-SP, e lançada durante a
21ª. Bienal Internacional de Livros de São Paulo, em agosto de 2010.
Os casos da Maria Clara
A ideia de reunir, em
único espaço virtual, as 12 poetisas que compõem a coletânea Maria Clara:
uniVersos femininos - cujas vozes expandem-se, na obra, em capítulos
individuais intitulados com os próprios nomes e/ou representações imagéticas
pertinentes às autoras -, surgiu nas próprias situações de interação entre as
poetisas que participam, entre si, do processo de criação e fruição literárias,
na Internet, por intermédio de blogs pessoais. Assim, o blog Maria
Clara: simplesmente poesia, como espaço destinado à produção literária
elaborada por mulheres, foi criado nos fins de 2008 e início de 2009 com o
objetivo de, a priori, favorecer a leitura e a produção de saberes. Sendo
composto por colaboradoras, cujas publicações realizam-se, mensalmente, por
ciclos de postagens.
Os blogs, segundo
Blood (apud CERQUEIRA; RIBEIRO; CABECINHAS, 2009), consistem páginas na
Internet atualizadas com certa regularidade. As páginas se apresentam dispostas
em forma de posts e permitem combinar texto, imagem e som. Os blogs,
além dos links nas escritas dos posts, que encaminham os leitores
para outros locais na rede, dispõem de blogroll, isto é, uma lista de blogs
que o autor acompanha e que serve para identificação do grupo e/ou tribo a qual
o autor blogueiro e/ou blogger pertence ou deseja pertencer.
A interação entre autores
e leitores, na rede virtual, é assegurada por caixas de comentários, através
das quais os internautas oferecem opiniões sobre as postagens, podendo esse
contributo ser ou não moderado pelos bloggers. Para Robert Macdougall
(apud CERQUEIRA; RIBEIRO; CABECINHAS, 2009, p. 116), as pessoas participam nos blogs
de forma a interagir com um público invisível, porém os bloggers
respondem aos comentários como se estivessem numa situação de interação social
real.
Essas últimas enunciações
podem ser consideradas a partir das interações entre as autoras que compõem o
blog Maria Clara: simplesmente poesia que, além de reunirem as suas
vozes para construção de um ambiente virtual próprio, materializaram as suas
ideias, sonhos e sentimentos em suporte material impresso; ampliando, assim, as
expectativas e experiências de leitura e escrita vivenciadas no âmbito da
virtualidade.
São elas, segundo a ordem
alfabética dos nomes: Adriana Godoy
(Belo Horizonte–MG); Adriana Riess
Karnal (São Leopoldo–RS); Hercília
Fernandes (Caicó–RN); Lara
Amaral (Brasília–DF); Lou
Vilela (Recife–PE); Maria
Paula Alvim (Belo Horizonte–MG); Mirze
Souza (Rio de Janeiro–RJ); Nina
Rizzi (Fortaleza–CE); Renata
Aragão (Juiz de Fora–MG); Talita
Prates (Cajuru–SP); Úrsula
Avner (Belo Horizonte–MG); e, Wania
Victoria (Porto Alegre–RS).
As autoras apresentadas
são possuidoras de origens, formações e contextos múltiplos. Não havendo,
portanto, um ideal único ou padrão estabelecido de linguagem literária e
orientação referencial. Poder-se-ia destacar, como homogêneo no grupo, o amor à
poesia, o zelo à palavra e o profundo respeito à expansão de suas vozes. Apesar
de integrarem um mesmo ciclo de relacionamentos na Blogosfera que, por sua vez,
apresenta certa afinidade de grupo social. Nesse sentido, as vozes das marias
claras[2] podem ser definidas pela pluralidade, considerando que são
pertinentes a mulheres com formações e atuações na educação, na medicina, na
história, no direito, no jornalismo, na administração... Mas, que se dedicam,
também, às relações afetivas, aos cuidados com a família e a casa, e,
simultaneamente, à arte de criar e apreciar poesia.
Além das singularidades
expressas, as marias
localizam-se em diferentes lugares do Brasil, do Norte ao Sul, o que permite
uma miscigenação cultural patrocinada pela multiplicidade de contextualizações
e linguagens. Essas anunciações apresentam-se sintetizadas na voz da poetisa Lou Vilela, que apresenta, no
poema Às Marias (VILELA, 2010, p. 99-100), a diversidade dos uniVersos
femininos das marias claras:
Hoje é dia de Maria...
Maria dos morros dos velórios
das sacadas das calçadas [...]
Maria da fome, dos talheres de
prata
erudita popular
(“ir-me-ei...; toma lá da
cá!”)
Bruta lapidada
peçonhenta panaceica
(dese)equilibrada
puta indissoluta
(r)evolução estelar
Todas belas, todas manias
com ou sem cria
Marias emoção!
Sim, todo dia é dia de Maria!
que tomba levanta que sonha
que cala, das vozes-maria
Maria (im)perfeição
Maria poesia
- Ave, Maria!
Segundo Coelho (1999), a
consciência histórica das situações de opressão e violências simbólicas que
permeavam o cotidiano das mulheres levou à crise do discurso masculino
hegemônico. Assim, poder-se-ia elucidar que a expansão da crítica feminista
favoreceu a ruptura dos valores da tradição falocêntrica e do misticismo
religioso que, em períodos anteriores, submeteram a escrita feminina a uma
poética do silêncio.
No tocante à criação das marias
claras, verifica-se que as autoras buscam estabelecer as suas identidades
como sujeitos históricos ao imprimir, no mundo, uma consciência crítica de seus
universos. Por isso convocam os leitores, no dizer da prefaciadora, profª. Drª.
Ana Santana Souza, “a pensar, principalmente, sobre a condição de mulher, essa
espécie ainda envergonhada, na definição de Adélia Prado” (SOUZA, A. S., 2010,
p. 15).
Não se esquivam,
portanto, em pronunciar opiniões em torno das relações humanas, das ideologias
e convenções que perpassam as práticas sociais. Essas elucidações podem ser
apreciadas no poema Filosofia barata (GODOY, 2010, p. 30), da autora Adriana Godoy, de Belo
Horizonte-MG. No texto, a poetisa questiona as desigualdades e exclusões
disseminadas no organismo social, chamando atenção para as inversões históricas
convencionadas por ideias que atribuem, às problemáticas sociais, explicações
sobrenaturais:
reverencio os mistérios
mas não os creio divinos
a dor e o sofrimento não são
divinos
a humanidade feder e exalar
horrores [...]
há mistérios multitudinários
mas ninguém escolheu
comer o pão que o diabo
amassou
ser miserável ter fome e
desprezo
lutar em uma guerra
inaceitável e desigual
morrer aos milhões por bala
perdida ou por pão
à míngua ou solidão?
não me fale em livre arbítrio
a escolha não é essa
quem escolheu sofrer até a
exaustão?
reverencio os mistérios
mas não me fale em deus[3]
Além de inquietações
sociais, há na criação poética das marias a externalização dos desejos
sensuais das mulheres em que o discurso feminino transgride as normas da
convenção e os interditos sexuais, apresentando consciência espiritual e
corpórea em versos ardentes e sensuais. Conforme se observa no poema A um
poeta (RIZZI, 2010, p. 161), da
historiadora e poetisa Nina Rizzi,
residente na cidade de Fortaleza-CE:
eu vou te lendo e pouco a
pouco
meus olhos verdes, beijo
lento, alcançam
o azul das melancolias de
picasso;
meu corpo renascentista,
fremente, vai
braillando, incendiando como
um poema
A clareza das mudanças de
valores que permeiam as vozes femininas na contemporaneidade, seja no plano das
ideias, da linguagem ou dos comportamentos femininos, aparece externalizada,
com notória elegância semântica, em o texto Poeta (KARNAL, 2010, p. 53),
da professora Adriana Riess Karnal[4],
de São Leopoldo-RS:
Quisera eu ser poeta
indecente
Pura pretensão.
Poeta é Adélia, Hilda e
Clarice.
Poucas verdadeiras o são.
Poeta tem língua incandescente
dente amarelado do palavreado
do palavrão [...]
Escrita com tinteira
Elegante
Quisera eu ser poeta
e ter meu livro na estante.
Nesse sentido, uma das
qualidades das vozes que compõem a obra Maria Clara: uniVersos
femininos diz respeito à abertura da linguagem à metalinguagem, à intertextualidade
e às diversas referências de leitura. As marias revelam que, para além
das faculdades imaginativas, refletem paradigmas e dominam técnicas de
composição. Essas elucidações se apresentam em Elementar (ARAGÃO, 2010,
p. 181), da poetisa Renata Aragão,
de Juiz de Fora-MG, em que a autora expande por meio de um sentir/pensar/fazer metalinguísticos
uma soma de elementos que povoa o ser e/ou a condição do poeta:
De que é feito o poeta?
De matéria
etérea
ou concreta?
Do fato
que vivencia
ou da utopia
que projeta?
Ele é feito
de sopro
ou de barro?
Ele habita
o corpo
ou a alma?
O poeta levita
ou mergulha?
A escrita
lhe é fagulha
ou despiste?
O poeta acredita
que existe?
Em relação aos elementos
rítmicos e sonoros, destaca-se a criação da médica Maria Paula Alvim, de Belo Horizonte-MG. Em o poema Mulheres
tônicas (ALVIM, 2010, p. 119), texto que se expande em 6 (seis) atos, a
poetisa esbanja humor, ludicidade e movimento rítmico ao fazer uso de
proparoxítonas e aliterações com a consoante “r”. Segundo se pode ler em o
primeiro ato do texto intitulado Cândida, a médica:
Era a tímida típica,
estrábica, pálida e asmática. Espírito ético, pródigo.
Engolia críticas e sapos
pétricos. Máscara pacífica.
Apesar da sólida clínica,
lágrimas a faziam líquida. Náufraga sem fôlego.
Morreu de cálculo nefrético
crônico. Trágica estatística, a propósito.
Para Souza A. S. (2010,
p. 16), a criação poética das marias realiza “iluminuras poéticas várias,
surpreendendo, não raro, as expectativas do leitor”. Assim, outra nuance de
suas vozes refere-se às figuras de linguagem. Segundo declara a crítica no
prefácio intitulado Noivas na estante: “Não é possível citar todas as
vezes que fui freada por figuras como cachorros, carro quebrado e ursos brancos
ou um realista mea culpa. O riso de um ataque de nervos também me
surpreendeu, assim como uma rua suja de despeitos” (SOUZA, A. S., 2010, p.
16-17).
Dessa maneira,
destacam-se, nos poemas, metáforas associadas às imagéticas de borboletas,
corujas, vaga-lumes, cachorros, ursos, pássaros, etc. Assim como aos quatros
elementos alquímicos: a terra, o fogo, a água e o ar. Igualmente, o sol, a lua,
as estrelas, as nuvens, a luz e a escuridão povoam o imaginário poético das
autoras. Essas qualidades expandem-se em os versos de Vozes da escuridão (AVNER,
2010, p. 229), da psicóloga Úrsula
Avner, poetisa de Belo Horizonte-MG:
quando a noite repousa
estrela despenca do céu
borboleta corre ébria e nua
absoluta
coruja pia
lamento de quem vigia
o sono da noite
Imagens ligadas às memórias,
às gostosuras, às meiguices e às desilusões dos sonhos de menina igualmente reverberam
em suas vozes. Essas entonações fluem em versos imagéticos e autobiográficos[5]
nos poemas Doce de batata (VICTORIA, 2010, p. 237), da poetisa Wania Victoria, médica em Porto
Alegre-RS. E, em Duas vidas (AMARAL, 2010, p. 83), da poetisa
brasiliense, formada em jornalismo, Lara
Amaral. Leiam-se os fragmentos textuais:
Minha avó e eu sentávamos no
chão
Passávamos horas recortando
receitas de doces
E colando em um grosso caderno
de capa dura
Lambuzávamo-nos nas palavras
[...]
Entre risadas e garfadas
Fartávamo-nos de vida
Ela já se foi, faz tempo
Mas naqueles dias que a
saudade em mim transborda
Feito leite quente derramado
depois que ferve
Me pego folheando meu caderno
de receitas
Meu doce álbum de fotografias.
____________
A criança dentro de mim
Vez ou outra aparece
Me prega peças [...]
Me pergunta onde estão os
sonhos
As paixões, todos aqueles
planos
Por que estou na contramão?
Só sei dizer que o carro
quebrou
Antes de eu conseguir
Tentar outra direção.
As dores e os sofrimentos
femininos também ressoam nos poemas e repercutem sobre os sentidos e
sentimentos dos leitores, como em os versos de Autorretrato (SOUZA, M.,
210, p. 139), da poetisa Mirze Souza,
do Rio de Janeiro-RJ. Na escrita, por meio de afirmações e negativas, a autora
revitaliza as cores, as formas e as sombras do passado herdado. Porém, ao
estabelecer analogia com a obra inacabada de Mondrian, aponta a uma perspectiva
futura:
Sou a lágrima furtiva
O engano em forma de vida
Da fotografia, sou o negativo.
Na natureza, sou o desvio.
Não sou a sombra, sequer o
abrigo.
Do destro, sou a mão esquerda
Na companhia, sou a ausência
Das palavras, sou o silêncio,
Sou o ápice da dor.
Sou o espinho que feriu
Em forma de coroa, o Criador.
Sou a mãe que não vingou
Borboleta sem cor
Perdida num mundo
Imundo de amor?
Sou a obra inacabada
de Mondrian,
Sou o que ele não acabou.
A consciência histórica
de eu feminino, bem como a transgressão aos valores da tradição, trafega toda a
criação poética das marias. No texto Da justificativa (PRATES,
2010, p. 200), a psicóloga e musicista Talita
Prates, de Cajuru-SP, atenta às deformações que, simbolicamente,
constituíram as representações femininas. Em versos livres e criativos, a
poetisa acena aos desperdícios de vida então configurados pelas promessas dos
ideais românticos:
: que ela espera
o dia
- grande dia!
em que o fato
notável (quase mágico)
justificará sua vida.
(aprenderá - em tempo
que o Sentido
- maior
não vem de fora?
, nem veste trajes de pompa?)
[
intriga-me
o quanto de vida
se perde na espera de:
]
Esperar, historicamente,
segundo elucida Souza A. S. (2010), tem sido uma das atividades das mulheres:
“Esperar a chegada do amado, a hora do parto, o príncipe encantado, o
reconhecimento de seu trabalho e de sua arte”. Todavia, as vozes das poetisas
contemporâneas, ao transformar “as esperas em matéria de poesia” (SOUZA, A. S.,
2010, p. 17), expandem a convicção de que pode “haver felicidade sem que se
precise morrer” (FERNANDES, 2010, p. 66). Essas elucidações fazem sentido se se
considerar, conforme poetiza Fernandes (2010, p. 64), que:
Meu eu feminino é concha
entreaberta. Ninho de
possibilidades
onde se interpõem lépidas
promessas.
Meu eu feminino transpõe animus
: tem pressa!
Considerações finais
Mediante as reflexões
delineadas ao longo deste artigo, entende-se que a criação poética elaborada
por mulheres na contemporaneidade, especificamente na “era blog”, busca
instaurar uma identidade própria às mulheres pautada nas singularidades dos
universos femininos.
Se até pouco tempo, a
escrita feminina portava inexpressiva valorização, esse desmerecimento por
parte dos cânones literários se configurou devido as privações e as exclusões a
que foram submetidas as mulheres nas práticas sociais cotidianas. Não se trata,
portanto, de as mulheres escreverem de forma “goiabada”, excessivamente
sentimental, segundo elucida a poetisa Nina Rizzi em sua escrita de posfácio na
obra Maria Clara (RIZZI, 2010, p. 255).
Se as mulheres, por
longos anos, escreveram banalidades e trivialidades do cotidiano feminino, essa
realidade se deve ao fato de terem sido anuladas, historicamente, como sujeitos
por ideologias construídas através da categoria gênero (SCOTT, 1990), que, aos
homens, favoreceu o empoderamento e, às mulheres, o claustro, o interdito, o
silêncio.
Todavia, as mudanças em
curso, especialmente as tecnológicas, contribuem para que se realize um
movimento de resistência aos valores herdados. Colaboram para que as mulheres
encontrem as singularidades de suas vozes por meio da consciência histórica das
sombras do passado que, segundo elucida Coelho (1999, 2002), apontam caminhos à
“clara” compreensão do presente.
Assim, a criação poética
e a interação entre autoras e autores nos blogs podem oferecer abertura
ao empoderamento das mulheres, considerando que os blogs têm se revelado
instrumentos capazes de proporcionar mudanças na cultura, na comunicação, no
jornalismo, nas relações sociais, já que abrem “caminhos à democratização ao acesso
à palavra, ao espaço público, ao enriquecimento da conversação social” (PINTO,
apud CERQUEIRA; RIBEIRO; CABECINHAS, 2009, p. 117).
Além de consistirem
instrumentos de participação social, os blogs promovem experimentações artísticas.
Dada a constituição do espaço, em que se podem combinar múltiplas linguagens, o
blog amplia horizontes de escrita e ressignificações textuais. Através
do uso de hipertextos, as escritoras e os escritores inauguram um novo espaço
de escrita e textualização que apresenta vantagens ao processo de criação
(MARCUSCHI, 2004. Levam os internautas a participar mais efetivamente da
elaboração textual, tornando-se, simultaneamente, autores e interlocutores de
obras literárias (MARCUSCHI, 2004, p. 83).
É nesse contexto de
mudanças de mentalidades, de subjetividades opinativas e rebeldes, de novos
espaços de produção de saberes e poéticas várias que se situam os “casos” da Maria
Clara: uniVersos femininos. Criação poética de 12 vozes contemporâneas que,
além de envolver ternura, sensualidade, subjetivismo e intensidade - qualidades
do lirismo feminino -, expande uma multiplicidade de tons - por vezes graves e
dissonantes -, e uma variedade de referências nos seus (en)cantos poéticos.
Atributos literários que não passam despercebidos e, como tais, reverberam a
historio(grafia) das mulheres, cujas escrituras mostram-se capazes de
inaugurar, parafraseando Adélia Prado, “reinos e linguagens” (FERNANDES, 2010,
p. 14).
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seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
Notas:
[1] Para visitar o blog Maria Clara: simplesmente
poesia, ver o endereço eletrônico: http://mariaclara-simplesmentepoesia.blogspot.com/
[2] Ao longo do texto destacam-se duas formas de
grafar o nome “Maria Clara”. Em relação aos títulos do blog, bem como da obra
em análise, utiliza-se iniciais “maiúsculas”. E, quando em referência às autoras,
adota-se letras iniciais “minúsculas” como forma de posicionamento político
perante as relações de dominação que, simbolicamente, compuseram a categoria
gênero e a historiografia das mulheres (SCOTT, 1990).
[3] Em sua criação, Adriana Godoy, assim como
várias autoras na obra, aboli o uso de letras iniciais maiúsculas, demonstrando
uma consciência política da linguagem diferentemente dos cânones da gramática
normativa.
[4] Adriana Riess Karnal é também tradutora, como
costuma dizer em seu blog, “nas horas vagas”. Aproveita-se a ocasião para
agradecer a sua contribuição no abstract deste artigo, disponível na publicação
da Revista Línguas e Letras.
[5] Na obra Maria Clara: uniVersos femininos apresentam-se
vários poemas com viéses memorialísticos, dentre os quais destacam-se: Queridas
avós, de Lara Amaral (2010, p. 93) e Sell, de Renata Aragão (2010,
p. 193).
ADVERTÊNCIA:
Esta é uma versão resumida das discussões propostas
no artigo “Voz Poética Feminina na Era Blog: Os Casos da Maria Clara”. Assim, é no Trabalho
Completo, especificamente na leitura do tópico Voz Poética Feminina:
do Silêncio à Transgressão, que os leitores e as leitoras encontrarão o exame das categorias que
constituem o desenvolvimento analítico do texto, dentre elas "poética do
silêncio e transgressão". Disponível para download AQUI.
PARA REFERENCIAR:
FERNANDES, Hercília M.. Voz Poética Feminina na Era
Blog: “Os Casos da Maria Clara”. Línguas
e Letras, Vol. 12, n. 23, Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, Campus de Cascavel, 2011. ISSN 1981-4755 (versão eletrônica).
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