sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Eu sou eu e as minhas circunstâncias...



Minha vida é o caminhar

Quefazer infinito

Caminhos de pedras, retas, labirintos...

Dura e pérfida!

Fumaça passa em desalinho...



Há algum tempo escrevi estes versos fazendo referências às atividades “diurnas” e “noturnas” que envolvem meus caminhos na educação e (des)caminhos na poesia...

Após formatura no curso de Pedagogia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), um longo percurso, em ambas as atividades, vem se intensificando.

Cursei Mestrado em Educação (PPGEd/UFRN/Natal-RN) e, simultaneamente, Pós-Graduação em Educação Infantil (CERES/UFRN/Caicó-RN). Publiquei dois livros de poesia, com o apoio cultural do SESC-RN, além de participar de antologias.

Desde que conclui a minha pesquisa de mestrado, cuja investigação se deteve na ação pedagógica de Cecília Meireles a partir da literatura infantil, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Basilio N. T. de Menezes, venho almejando o doutorado em educação. E, neste segundo semestre de 2009, focalizei minhas energias em torno deste objetivo.

Após três etapas do processo seletivo composto por prova escrita, projeto de pesquisa e entrevista, acabo de tomar conhecimento que fui aprovada na linha Cultura e História da Educação, e terei como orientadora a Profª. Drª. Marta Maria de Araújo, conforme se pode ler no resultado final do concurso.

Estou consciente que a aprovação significa apenas o prenúncio de uma longa caminhada e que, além da minha dedicação aos estudos, há a colaboração direta dos meus familiares, amigos e "mestres" que contribuem abundantemente para que os meus objetivos se tornem realidade; pois, segundo nos diz Ortega Y Gasset, “eu sou eu e as minhas circunstâncias”...




* Fotos: Preparatórios para a formatura no curso de pedagogia (CERES/UFRN).


domingo, 8 de novembro de 2009

Per Augusto & Machina: tumulto e racionalidade em intimidade


1. é louco ser solene.

....é lúcido ser louco!


2. se tenho, como última morada

....o som caleidoscópico da vida

....carrego matrizes, almas sombreadas.


3. meu coração de cavalo, meu ato de terra

....surrado dos demônios, ímpio em desvario.


4. quando surge de mim, fiquei varrido.

....e meu estado de coisa correu solto!


5. qualquer ambiguidade tem um tônus

....que corta toda a alma pelo avesso!


6. a dor fecunda das hostes:

....vou retomar meus laços com a vida.


(Romério Rômulo in: Abertura 1, p. 13, 2009).




Esta semana, ao retornar de breve viagem, pude sentir a agradável emoção de ter em mãos o livro Per Augusto & Machina, do poeta mineiro Romério Rômulo, lançado recentemente pela editora Altana.

O livro me fora oferecido pelo próprio poeta, que, além de me ofertar a obra com uma deliciosa dedicatória, me encaminhou mais uma de suas criações poéticas: o livro Matéria Bruta, lançado também pela Altana, em 2006.

As obras apresentam notória excelência literária e evidenciam a grandeza imagística e estilístico-semântica do poeta na captação e reverberização dos fenômenos que permeiam a existência humana e a atividade poética.

Além disso, os livros comportam excelência na apresentação visual e gráfica, incluindo ilustrações que, além de enriquecerem o suporte material, contribuem para inquietar o espírito dos leitores durante a apreciação e ressignificação textual. O que demonstra o zelo e o respeito do artista, igualmente da editora, para com a arte poética; apresentando, aos leitores, um suporte de qualidade, criativo e arrojado, compatível à beleza intrínseca às criações literárias do artista.

No tocante ao Per Augusto & Machina, o livro apresenta-se composto por poemas que se distribuem em 127 páginas e conta com belíssimo prefácio, intitulado “Uma poética implacável”, escrito pela professora, crítica literária e poetisa Maria da Conceição Paranhos. Leiam-se algumas das falas da literata voltadas ao processo de criação do Per Augusto & Machina:


Romério Rômulo se movimenta num universo de contrastes, em que a experiência vivida testa as realidades estabelecidas em favor de uma lucidez cada vez maior. Suas imagens inquirem as aparências em favor da essência do viver. [...] Desde o título, Per Augusto & Machina, o poeta des-capitaliza os vocábulos, quer rendê-los, observá-los e indagá-los sem mistificação, des-convencionando o arbitrário da língua. Por augusto e sua máquina, em favor de uma realidade mais real, em favor do homem-augusto, que assim grafado, adjetivado, nos remete a um ser humano restaurado à sua dignidade (in: Prefácio, 2009, p. 7).


Na obra, Romério Rômulo dialoga com o poeta Augusto dos Anjos e desenvolve, segundo Maria da Conceição Paranhos: “Temas recorrentes como a loucura, a corruptibilidade do corpo físico, a solidão, a morte buscam sua existência na linguagem, onde ganharão consistência e força de ataque, homem e cavalo” (in: Prefácio, 2009, p. 7).

Em abril deste ano tive o prazer de entrevistar Romério Rômulo em café literário virtual, aqui no Novidades & Velharias, cuja entrevista se desenvolveu, basicamente, em torno do Per Augusto & Machina; que, na época, encontrava-se em processo final de editoração. Na ocasião, uma das questões abordadas girou em torno da loucura. A partir dos versos “de quantas nuvens se faz uma loucura? / é construída a mão que bate o prego?”, pertinentes ao poema Uma bravura regenera a noite, interroguei o poeta sobre a dialética loucura-racionalidade durante o instante criador, onde Romério argumenta:


O criador, ou criativo, é aquele que foge do tom, que surpreende. Então, a loucura é um dado. Mas, e se eu consigo organizar essa loucura? O Oscar Niemeyer não organiza, faz prédios e cidades? Parece um contra-senso, um absurdo, e é. Mas, é real. Daí termos situações como o Rimbaud, que aos 19 anos se sentiu esgotado, ou o Niemeyer que, centenário, continua operando. Mananciais e construções, no caso, são diversos. Tumulto e racionalidade, aqui, são íntimos (in: Novidades & Velharias, 19 abr. 2009).


Hoje, lendo os poemas do Per Augusto & Machina em material impresso, a ideia central que me vem à mente, e, que de certa forma confirma minhas primeiras impressões de leitura, é que se delineia, no curso da obra, uma constante intimidade. Intimidade capaz de unir mundos aparentemente opostos, porém complementares: sonho e manualidade, vida e morte, imagística e historicidade, devaneio e intencionalidade; enfim, em o Per Augusto & Machina, parafraseando o poeta das minas gerais, “tumulto e racionalidade atuam íntimos e dividem mistérios”.


Notas


[1] Para saber mais sobre o poeta visite o blog Romério Rômulo e/ou leia a entrevista concedida ao Novidades & Velharias, em abril do ano corrente.

[2] Texto também postado em Maria Clara: simplesmente poesia.


Referências

  • RÔMULO, Romério. Matéria bruta. São Paulo: Altana, 2006.
  • ______. Per Augusto & Machina. São Paulo: Altana, 2009.

sábado, 17 de outubro de 2009

Literatura com sotaque: "português ou caipirês?"

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A poetisa e professora universitária Adriana Karnal publicou um belo artigo sobre literatura e preconceito linguístico no quadro “postagem simplesmente poesia”, no blog de poesia feminina Maria Clara.
No artigo “Literatura com sotaque”, Adriana analisa o fenômeno da variedade da língua e a marginalidade linguística a que estão submetidos os grupos sociais economicamente desfavorecidos, os chamados “sem língua”.
A partir de uma reflexão pautada nos estudos realizados por Marcos Bagno, dentre os quais se destaca o livro “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz”, a poetisa reflete os mitos que se convencionam na sociedade em razão das diferenças sociais, regionais, dialetais; e a controversa articulação entre oralidade e escrita normativa.
Por meio de uma argumentação fundada na sociolinguística e da análise de aspectos imbricados em textos literários, em que se destaca um poema do poeta portuquês Nilson Barcelli, Adriana nos leva a preciosas reflexões sobre o uso da língua; acenando, inclusive, para as controvérsias acerca do novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Em suas palavras: “Ainda que as novas regras tenham sido introduzidas na escrita da língua portuguesa, elas ainda não conseguiram ser incorporadas pelos falantes, muito em razão de a escrita refletir a pronúncia”.
Os argumentos e análises enunciados por Adriana Karnal reportaram-me a um texto de Dad Squarisi que discute a língua portuguesa praticada pelos brasileiros. O texto reflete, no dizer de Bagno, "o círculo vicioso do preconceito linguístico", que tem raízes em interesses hegemônicos e se legitima por meio da gramática normativa da língua culta. Mas, sem mais preâmbulos, passemos à escrita; que cada leitor realize as suas próprias acepções...
Português ou Caipirês?[2]

Dad Squarisi

Fiat Lux. E a luz se fez. Clareou este mundão cheinho de jecas-tatus. À direita, à esquerda, à frente, atrás, só se vê uma paisagem. Caipiras, caipiras e mais caipiras. Alguns deslumbrados, outros desconfiados. Um - só um - iluminado. Pobre peixinho fora d’água! Tão longe da Europa, mais tão perto de paulistas, cariocas, baianos e maranhenses.
Antes tarde do que nunca. A definição do caráter tupíniquim lançou luz sobre um quebra cabeça que atormenta este país capial desde o século passado. Que língua falamos? A resposta veio das terras lusitanas.
Falamos o Caipirês. Sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa. Vale tudo: eu era, tu era, nós era, eles era. Por isso não fazemos concordância em frase como "não se ataca as causas" ou "vende-se carros".
Na língua de Camões o verbo está enquadrado na lei da concordância. Sujeito no plural? O verbo vai atrás. Sem choro nem vela. O sujeito causas e carros estão no plural. O verbo, vaquinha de presépio, deveria acompanhá-los. Mas se faz de morto. O matuto, ingénuo, passa batido. Sabe por quê?.
O sujeito pode ser ativo ou passivo. O ativo pratica a ação expressa pelo verbo. Os caipiras (sujeito) desconhecem (ação) o outro lado. Passivo, sofre a ação: o outro lado (sujeito) é desconhecido (ação) pêlos caipiras. Reparou? O sujeito - o outro lado - não pratica a ação.
Há duas formas de construir a voz passiva:
a- com o verbo ser (passiva analítica): A cultura caipira é estudada por ensaístas. Os carros são vendidos pela concessionária.
b- Com o pronome se (passiva sintética): estuda-se a cultura caipira. Vendem-se carros. No caso, não aparece o agente. Mas o sujeito está lá. Passivo, mas firme.
Dica: use o truque dos tabaréus cuidadosos: troque a passiva sintética pela analítica. E faça a concordância com o sujeito. Vende-se casas ou vendem-se casas? Casas são vendidas (logo; vendem-se casas). Não se ataca ou não se atacam as causas? A causas não são atacadas (não se atacam as causas). Fez-se ou fizeram-se a luz? A luz foi feita (fez-se a luz). Firmou-se ou firmaram-se acordos? Acordos foram firmados (firmaram-se acordos).
Na dúvida, não bobeie. Recorra ao truque. Só assim você chega lá e ganha o passaporte para o mundo. Adeus, Caipirolândia.

Notas
[1] Vale a pena ler/reler o texto da poetisa e professora Adriana Karnal. Para tanto, visite o “Maria Clara: simplesmente poesia”.
[2] Texto extraído de: BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000. Arte disponível no Google Imagens.

domingo, 11 de outubro de 2009

Por cima de ervas & pedregulhos


Camilo quis sinceramente fugir, mas não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo. Fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas. (Machado de Assis, in: A cartomante, 2007, p. 351-358).


Dentre as temáticas que compõem a literatura brasileira destaca-se a trama do “triângulo amoroso”.

Um dos escritores brasileiros que mais desenvolveu o tema foi Machado de Assis (1839-1908), que analisara os conflitos humanos, as máscaras sociais e os embates entre valores e convenções da sociedade brasileira no século XIX aos apelos do amor sensual.

Essa realidade pode ser observada no romance Dom Casmurro, onde Machado desenvolve todo um jogo ficcional-narrativo entre os valores cristãos burgueses e os conflitos provenientes do amor romântico.

Através das ânsias e ações das personagens Bentinho, Capitu e Escobar, o escritor coloca em xeque as convenções sociais comuns à sua época; que impunham arranjos de casamento entre famílias por interesses comuns e não por laços de afetividade.

No conto A cartomante, o escritor também desenvolve a trama do triângulo amoroso. Por meio das personagens Vilela, Rita e Camilo, Machado apresenta perfis psicológicos densos e situações intensas acerca das relações entre gênero e, especialmente, da imagem feminina.

Na obra machadiana é comum a aparição de personagens mulheres dissimuladas, interesseiras, traiçoeiras, oblíquas... o que demonstra a visão patriarcal-cristã da época que confere ao feminino os atributos de Eva e/ou serpente...

Para Luft (1991), o escritor transfere às personagens femininas os seus próprios problemas existenciais: ambição, desvencilhamento com o passado, peso da hierarquia social... Esses conflitos se podem observar nas personagens Guiomar e Helena, ambas da primeira fase do escritor: a romântica.

Por outro lado, segundo destaca Bergamini (2008, p. 2), “o escritor via a mulher como um elemento social que maneja e comanda, sendo astuciosa e cerebral, divergente, nesse ponto, da mulher romântica”.

Essa última argumentação condiz à segunda fase do autor: a do realismo. Nessa fase destaca-se o autor analista, observador, frio no raciocínio, na exposição de fatos que “retrata a mente humana”, analisando-a com ironia e humor (LUFT, 1991, p. 578).

No tocante à temática do triângulo amoroso, Machado em Dom Casmurro e em A Cartomante desenvolve as narrativas sob duas perspectivas. Em Dom Casmurro, o autor deixa à livre imaginação do leitor o desfecho da narrativa: a menina de “olhos de ressaca” e/ou de “cigana oblíqua e dissimulada” traiu ou não Bentinho? Eis um conflito que inquieta gerações de leitores!

Para Bergamini (2008), devido Machado desenvolver a trama em uma temporalidade psicológica acaba por provocar a ambiguidade, levando o leitor a dúvidas sobre os fatos; tendo em vista que: “O conto mostra como o desejo pode abrir brechas em situações de opressão. Nada acontece objetivamente entre os dois” [entre Capitu e Escobar]. Todavia, “onde nada aconteceu, tudo pode estar acontecendo subjetivamente” (BERGAMINI, 2008, p. 11).

em A Cartomante, o triângulo amoroso é descrito objetivamente por meio da voz de um narrador onisciente que descreve uma situação de adultério entre uma mulher casada que se apaixona pelo amigo de infância do marido. Entretanto, apesar do adultério consistir o centro da narrativa, para Bergamini (2008, p. 11) o triângulo amoroso é mais um pretexto para o escritor revelar os “dilemas da consciência, da relatividade dos valores, bem como das fraquezas morais a que todos estão sujeitos”.

Também na poesia, a temática do triângulo amoroso perpassa as linhas dos poetas, sendo uma problemática bastante explorada. Tal realidade pode ser observada na produção poética atual através dos dizeres poéticos femininos na Blogosfera. Leiam-se dois textos, cujas vozes líricas expressam as ânsias em torno da problemática in foco:



ordi(bi)nário


Amavam-se por adição

Na cama subtraíam as diferenças

Dividiam os prazeres

Multiplicavam os gozos


A relação não durou...

Ele se envolveu com a Álgebra

E mudou seu logaritmo


Ela nunca o perdoou por isso

Seu coração ficou partido em frações

Potencializou a raiva por muito tempo

E até hoje não conseguiu extrair a raiz do problema


Wania, in: Encantaventos



amor 4X4


meu coração é 4X4

simples puxadinho em morro

................................................condenado

...........................mesmo quando desmorona

.............................sempre cabe mais um

em vão ensolarado


.............................................amor feijão com arroz...


Hercília Fernandes, in: HF diante do espelho


Conforme se pôde ler no poema ordi(bi)nário, da poetisa Wania de Porto Alegre-RS, a relação entre amantes é descrita como harmoniosa até entrada de uma terceira pessoa, ou melhor de uma "Álgebra", no poema-equação; surgindo conflitos entre pares que nem sempre podem encontrar “a raiz do problema”...

Em o texto amor 4X4, evidencia-se também a expressão sutil de uma situação triangular, onde a escrita poética acena para os conflitos e dilemas humanos em razão das intempéries amorosas.

Em ambas as situações, o que se percebe é que os sentimentos, sensações e analogias realizadas pelas vozes líricas apontam para-além das aparências e revelam, “por cima de ervas e pedregulhos”, a própria obliquidade inerente à condição humana.



Notas


[1] Texto postado, primeiramente, no blog de poesia feminina “Maria Clara: simplesmente poesia”. Nesta postagem, o artigo sofreu algumas alterações.

[2] Arte extraída do Google Imagens.

Referências


BERGAMINI, Denise Lopes. As mulheres no conto de Machado de Assis. In: Darandina Revista Eletrônica. Programa de Pós-Graduação de Letras – UFJF, v. 1, n. 2, 2008, p. 1-17.


LUFT, Celso Pedro. Novo Manual de Português: Redação, Gramática, Literatura, Ortografia Oficial, Textos e Testes. São Paulo: Editora Globo, 1991.


MACHADO, Assis de. A Cartomante. In: ______. 50 contos. Machado de Assis. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Companhia das letras, 2007.


quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A poesia ] mar aberto [ de Úrsula Avner


Na última semana de setembro ocorreu a estréia poética no “Maria Clara: simplesmente poesia” das poetisas mineiras Úrsula Avner e Maria Paula Alvim[1].

Ambas residem na cidade de Belo Horizonte-MG, terra natal, lugar onde exercem suas atividades profissionais. Além do fato de serem conterrâneas e dedicarem-se à escrita poética, Úrsula Avner e Maria Paula Alvim trabalham na área da saúde e se dedicam também à educação, ministrando aulas e cursos em suas respectivas áreas de atuação.

Poder-se-ia enumerar várias analogias entre as poetisas, já que, além das aproximações citadas, ambas são porta-vozes dos mistérios que permeiam a alma feminina. Porém, para evitar generalizações, convém que as poetisas sejam apresentadas individualmente.

Desse modo, o Novidades & Velharias se reportará, neste artigo, à apreciação da voz poética de Úrsula Avner, que realizou a sua estréia no espaço de poesia feminina "Maria Clara" em 24 de setembro de 2009.



Úrsula Avner e a imensidão do mar



Úrsula Avner é psicóloga, pós-graduada em Atendimento Sistêmico à Família e em Psicopedagogia. Atua como psicóloga judicial concursada no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte e ministra, então como instrutora, Cursos de Capacitação na Escola Judicial.

Na Web, a poetisa difunde as suas escritas em três blogs pessoais, dentre os quais se destaca o blog Sempre poesia. Além da intensa atividade escrita na Blogosfera, a autora possui página individual no Recanto das letras e no Site de poesias. A trajetória literária de Úrsula Avner comporta participações em três edições em livro de antologias poéticas. Ademais, integra o Clube Brasileiro da Língua Portuguesa a convite da professora, poetisa e vice-presidenta da Academia Mineira de Trovas Sílvia de L. Araújo Motta.

Em seu post de estréia[2], no blog Maria Clara, a poetisa apresentou o poema Sobre o mundo de dentro. Texto que se destaca pela fluidez e subjetividade na linguagem e, simultaneamente, pela intensidade na externalização dos anseios pertinentes ao eu-lírico frente aos acontecimentos da vida e/ou às convenções sociais. Desejos de liberdade e plenitude se expandem em versos melódicos, materializando paisagens de sonhos. Leiamos a primeira estrofe:


Quisera esmerilhar

o sono guardado

em nuvens brancas

fazer esguichar do tempo

vontades aprisionadas

balançar as ancas

soltar ao vento

borboletas encarceradas...


É comum a aparição de imagens oníricas nos poemas de Úrsula Avner. Além da imagem da “borboleta”, - que na criação poética ilustra a faculdade de a palavra se transfigurar através da inventividade e acomodação linguística entre signos – a imagem do “mar”, de sua “vastidão” e/ou “amplidão”, é uma metáfora pertinente a muitos de seus escritos. Tal qualidade pode ser vislumbrada em o texto Inundação, onde a poetisa externaliza a amplitude das sensações experienciadas; lançando-se ] mar aberto [ à composição poética:


Aconteceu em mim

algo de infinitude

em breves versos

despejo da alma

inquietude

não pertenço a tempo algum

o espaço que me cerca

não limita o que meu ser carrega

mar aberto


O mar, a amplidão e/ou vastidão do mar compõem metáforas que expressam a imensidão íntima do poeta. Segundo Bachelard (1978), a imensidão é própria ao devaneio tranquilo e expressa os sonhos do ser por meio da solidão interior que a vida cotidiana geralmente refreia:


A imensidão está em nós. Está presa a uma espécie de expansão do ser que a vida refreia, que a prudência detém, mas que volta de novo na solidão. Quando estamos imóveis estamos além; sonhamos um mundo imenso. A imensidão é o movimento do homem imóvel. [...] uma das características do devaneio tranquilo (BACHELARD, 1978, p. 317, grifo nosso).


As imagens na poesia de Úrsula Avner expressam sonhos sumariamente introspectivos, traduzem intensidade nos sentimentos, nas acepções filosóficas e sensações em sua imensidão íntima. Essa realidade pode ser observada em o poema Amplitude, cujo eu-lírico assegura que:


verso invertido

revela de mim

o que da ferida

sabe o prurido


invento um mar

sem ondas

oceano aberto

do começo ao fim


Assim, além da fluidez e delicadeza na linguagem, da musicalidade pertinente aos versos, do uso de métricas bem definidas e, em outras circunstâncias, de cadências irregulares e livres. A poesia de Úrsula Avner materializa a intensidade da imensidão íntima intrínseca à alma poética e ao devaneio tranquilo; pois conforme elucida Bachelard: “[...] a imensidão íntima é uma intensidade, uma intensidade do ser, a intensidade de um ser que se revela numa vasta perspectiva de imensidão íntima” (idem, 1978, p. 317, grifos do autor).

Em a lira subjetivo-reflexiva e emotivo-sentimental de Úrsula Avner, a imensidão íntima se expande: "mar aberto"...



Notas


[1] O próximo artigo do Novidades & Velharias, escrito por Hercília Fernandes, se desenvolverá a partir da apreciação poética da mineira Maria Paula Alvim.

[2] Na mesma semana de estréia poética no Maria Clara, Úrsula Avner também contribuiu com o quadro Postagem Simplesmente poesia (9), no dia 29 de setembro, apresentando uma crítica literária a partir da poesia de Lya Luft.


Imagens


Mulher na Janela: Salvador Dali.

Úrsula Avner


Referências


BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. In: ______. Filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal e Lídia do Vale Santos Leal. São Paulo: Ed. Abril Cultural, p. 181-354, 1978.


______. O direito de sonhar. Trad. José Américo Motta Pessanha et al. São Paulo: DIFEL, 1985.


______. A poética do devaneio. Trad. Antonio de Párdua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1988.