FROEBEL, Friedrich Wilhelm August. A
educação do homem. Apresentação e Tradução Maria Helena Camera Bastos.
Passo Fundo (RS): Universidade de Passo Fundo-UPF, 2001.[1]
Hercília Maria Fernandes
Universidade Federal de Campina Grande
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A
educação do homem, título original Die menschenerziehung (1826), de autoria do educador alemão Friedrich
Wilhelm August Fröbel (1782-1852), é uma obra clássica da educação e da pedagogia
do século XIX. Escrito de 1823 a 1825, o livro reúne as teorizações das
experiências educativas desenvolvidas por Friedrich Froebel no Instituto de
Educação de Keilhau. No Brasil, mesmo com a grande difusão do Kindergarten froebeliano, o livro
somente foi publicado quase um século após a edição espanhola – Da educación del hombre (1913) –, apresentado
e traduzido pela professora Maria Helena Camara Bastos. Editado pela
Universidade de Passo Fundo, a publicação está assim organizada: “Apresentação”;
“Cronologia”; “Bibliografia”; “Introdução”, “Capítulos” (30) e “Conclusão”.
Em linhas gerais, A educação do homem sistematiza a teoria educacional de Friedrich
Froebel fundamentada em sua “Filosofia da esfera”, originária dos estudos das
ciências naturais e da metafísica. Na obra, o criador do “Jardim de crianças” ordena,
coerentemente, os princípios da educação esférica, que propiciam forma e
direção ao “ensino educador”. Além de noções da cristalografia e do idealismo
alemão, a teoria educacional froebeliana compreende o preceito cristão de a
consciência humana e de o homem fazerem parte da Criação. Deus é a unidade
manifesta na pluralidade da natureza, situando-se além do mundo e no núcleo da
criação. Cada coisa, ser vivo, é uma criatura determinada por uma força divina,
cuja multiplicidade revela-se na unidade subjacente. Assim, a esfera é o
princípio constante, gravitacional, que volta a repousar em si. É, pois, a lei
fundamental do Universo, do mundo físico e psíquico, do corpo e da alma.
Assim sendo, A educação do homem poderá ser examinada a partir de algumas orientações
de investigação: dos fundamentos da Filosofia da esfera às teorizações sobre o
desenvolvimento humano e à Pedagogia escolar, que, articulados, sistematizam “o
que” a escola “deve” e “como” deve “ensinar”. Por sua profundidade teórica, a
Resenha objetiva uma compreensão dos princípios da educação esférica. Para
tanto, o trabalho examina a “Introdução” e os capítulos “A primeira infância”, “O
menino” e “O garoto”. Essa delimitação é de ordem pedagógica e conceitual, pois,
nessas partes, Friedrich Froebel reflete as bases educacionais e científicas de
A educação do homem.
O pedagogo Friedrich Froebel (2001, p. 23) associa,
por seu turno, o desenvolvimento humano à “natureza” e os processos educativos
ao ideário cristão da “semeadura”. O homem é parte da totalidade, é manifestação
viva da pluralidade e da unidade. A natureza, qualificada pela diversidade
exterior, é regida por uma “Lei interior”, esférica, que tende à harmonia e à
unificação. Constituída por uma estrutura de forças dialéticas, a natureza
reúne a particularidade e a totalidade das coisas e da existência humana; consistindo
em tarefa da educação: “Suscitar as energias do homem – ser progressivamente
consciente, pensante e inteligente –, ajudá-lo a manifestar a sua lei interior [...]
com toda a pureza e perfeição, com espontaneidade e consciência”.
A doutrina da qual se nomeia educação se
refere ao conhecimento dessa lei interior, sendo a sua reflexão “a ciência da
vida”. A arte da educação corresponde à “[...] livre aplicação desse
conhecimento [...] para a formação e desenvolvimento imediato de seres
racionais”. A condução humana se desenvolve em um processo dialético
estabelecido entre o indivíduo e a natureza: Deus que se manifesta na natureza e
o homem como expressão, também, dessa natureza. Assim, o ensino deve oferecer
ao homem “a intuição e o conhecimento do divino [...], os quais constituem a
essência dessa natureza”. Mediante esse conhecimento, a educação deve repousar “sobre
o interior e o mais íntimo da personalidade” (p. 23 e 24).
A dialética exterior-interior e interior-exterior
assume um valor substancial na teoria educacional froebeliana. Por intermédio
do exterior, o interior se torna conhecido. As manifestações externas devem constituir,
assim, “o ponto de apoio de toda a educação”, não devendo, porém, se restringir
a deduzir o interior pelo exterior. Deve, antes, buscar compreender “[...] a
essência das coisas, encontrando-a na dupla relação do externo com o interno e
do interno com o externo” (p. 24). Desses pares dialéticos, fundem-se os princípios
da educação esférica de Friedrich Froebel, potencializadores de um ensino educador.
A dialética exterior-interior e vice-versa se
conjuga a outras dialéticas: à “particular-geral” e à “pluralidade-individualidade”.
O ensino educador deve apresentar “[...] o individual e o particular como
geral, e o geral como particular e individual”. Deve “exteriorizar o interior e
interiorizar o externo”, revelando a “unidade entre ambos”. Sendo o “único
objetivo” e o “único fim” de toda educação o “[...] cultivo integral da
essência original divina contida no homem”, o ser humano “[...] deve ser
tratado como membro necessário e essencial da humanidade” (p. 30). A concepção de
homem froebeliana é associada, assim, à dialética pluralidade-individualidade.
Embora cada indivíduo possa recorrer aos estágios de evolução que lhes são
precedentes, “[...] o novo sujeito [...] vem a ser um modelo vivo para o
futuro”. Por conseguinte, a evolução humana deve se orientar no “[...] caminho
vital do próprio desenvolvimento e da espontânea formação [...]” (p. 31), que
se realiza, somente, pela “exteriorização”, composta pela essência da tríplice
manifestação: “unidade, individualidade e pluralidade”. Somente a tríplice
manifestação conduz “[...] à compreensão verdadeira dessa essência e ao conhecimento
exato da coisa mesma”. (p. 32-33).
O pedagogo Friedrich Froebel relaciona, dessa
forma, o desenvolvimento à faculdade de “aprender e apreender”. O
desenvolvimento consiste uma evolução “contínua e ininterrupta”, que se concretiza
na e pela aprendizagem. Cada coisa não se apresenta como um “[...] todo isolado
e indivisível, mas como um composto de elementos distintos, subordinados a um
fim superior e geral”. O objeto não basta em si mesmo. Contrariamente, consiste
“um anel da cadeia, um membro de um organismo maior”, que coopera “para uma
finalidade universal”; exigindo a compreensão dos “seus enlaces e contatos
exteriores”, e, principalmente, de “suas relações internas, sua íntima unidade
com as coisas” (p. 68). Esse entendimento acerca da aprendizagem do objeto fundamenta
a concepção froebeliana de desenvolvimento humano.
O desenvolvimento do homem não constitui uma
sucessão linear “[...] de distinções e divisões [...] que impedem de ver o que [...]
constitui sua unidade e substância”. (p. 36). Aproximando-se às concepções de
Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Friedrich Froebel (p. 38) adverte que: “Nem
a criança, nem o jovem, nem o homem devem ter outra aspiração senão a de serem
em cada período da vida o que esse período exige”. Cada etapa pode ser
comparável a uma “flor nova saída de brotos saudáveis”, servindo de base às seguintes.
Esse teórico da pedagogia moderna ressalta, assim, as três grandes fases do desenvolvimento:
a do “bebê”, quando o interior se manifesta pelo movimento e pelos sentidos; a da
“criança”, quando o interior se revela pela palavra e pelo jogo; e a do “jovem”,
quando o ensino formal assume importante função na interiorização de conceitos.
Embora apresentem especificidades próprias, essas fases não se dissociam umas
das outras. Realidade que pressupõe uma formação esférica, pautada nas intersecções
com os objetos, com as brincadeiras e jogos, com a linguagem, o trabalho e a atividade
criadora.
Os objetos exteriores excitam o infante ao
movimento e os sentidos a conhecer sua essência e relações, constituindo os “[...]
instrumentos com os quais pode interiorizar as coisas que o rodeiam”. (p. 43). A
criança deve relacionar os objetos aos seus opostos: à “palavra” e ao “signo” correspondente,
fazendo-a ver uma “unidade [...]” (p. 44), que guiará a sua intuição e o
conhecimento dos objetos. As brincadeiras e os jogos constituem, nesse sentido,
“o mais alto grau de desenvolvimento do menino”, sendo uma “manifestação
espontânea do interno” (p. 47). As atividades lúdicas objetivam “levar a
criança à consciência de si mesma”. Das relações familiares com a linguagem
decorre o “sentimento de comunidade”, orientando “[...] a consciência de sua
própria vida mediante o movimento [...] regular, ordenador e rítmico”. (p. 54).
Assim, as propriedades do número, da forma, do conhecimento do espaço; da
natureza, dos fenômenos da matéria etc., excitam a atenção e o interesse
infantil; possibilitam que “[...] o mundo da natureza e o mundo da arte [...]” separem-se
aos olhos da criança, elevando “o sentimento de mundo interior” (p. 63).
A linguagem, durante o desenvolvimento
humano, assume um alto valor educativo. Com a representação simbólica da
existência, “[...] sai o homem das primeiras fases de sua infância para iniciar
aquela outra a que [...] chamaremos de um garoto”. (p. 69). O atributo excepcional
dessa etapa condiz à “conversão do garoto em aluno”. Na escola, o homem adquire
“[...] o conhecimento essencial dos objetos exteriores segundo as leis
particulares de cada um deles e as leis gerais do mundo”. (p. 70). À escola
caberia, assim, “[...] converter em firmeza de caráter a vontade natural do
garoto [...]”, já que o jovem trabalha “[...] pela obra realizada, pelo produto
obtido”. (p. 71 e 72).
O trabalho constitui, assim, princípio e meio
de educação, devendo ser cultivado em harmonia à palavra e ao exemplo. Segundo Friedrich
Froebel, “[...] o primitivo instinto de atividade transforma-se no instinto de
produção” ao assumir características de “jogo”, de “atividade criadora”, à
medida que promove “um sentimento comum, social”. (p. 72). Essa educação
prática não deve consistir, no entanto, único meio de formação. Nessa fase, o
jovem demonstra interesse “pela fábula e pelo conto”, porque “[...] emprestam
linguagem e razão aos seres que deles carecem”. Diversas expressões do garoto podem
encobrir um “fundo sentimento espiritual”, que “têm valor simbólico” (p. 80),
exigindo que se busque a “dupla causa” das vicissitudes: a negligência adulta “[...]
de importantes aspectos da natureza humana [...] e o [...] sentido falso e
antinatural” de noções que distorcem “[...] as boas disposições”. Sendo o homem
“essencialmente bom”, só há um “meio” de suprimir os defeitos: buscar “[...] aquela
primitiva tendência boa, que, perturbada e distorcida, deu origem ao mal [...]”.
(p. 81 e 82). As possíveis “falhas” do aluno decorrem da ação dos mestres, que atuam
como “aves de mau agouro”, ao atribuir-lhes “[...] intenções e propósitos dos
quais não têm nenhuma ideia”. Uma educação escolar equivocada afoga, dessa
forma, o anseio das crianças de “[...] conhecer as coisas naturais, [...] ao
que está oculto na natureza [...]”, perturbando a sua “santa aspiração” e as
suas “naturais tendências”. (p. 84 e 85).
Pelo exame dos princípios da educação
esférica sistematizados por Friedrich Froebel, compreende-se que A educação do homem estabelece uma
associação entre ciência e educação para promover a elevação da consciência humana.
Aquisição que se define na relação entre o exterior e o interior, donde decorre
a unificação da vida. Visando a essa finalidade, a teoria de desenvolvimento
humano de Friedrich Froebel, articulada à sua pedagogia escolar, orienta-se na potencialidade
das energias e das forças elementares do homem à apreensão da lei das coisas.
O ensino educador, mediante os preceitos da
educação esférica, consiste em uma articulação ativa e dialética com o objeto
da lição, para, assim, auxiliar o aluno a compreender a
estrutura do objeto, orientando a sua reflexão e as indicações para avançar o
conhecimento. À medida que aprende e apreende o objeto, o homem eleva a consciência
de sua essência e existência humanas. O “esferismo” de Friedrich Froebel, nesse
particular, consiste, simultaneamente, em uma teoria científica e uma doutrina
da educação, fundada na associação
entre o objeto científico e o conhecimento subjetivo.
[1]
Resenha publicada, originariamente, na Revista Educação em Questão, do Programa
de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Ver arquivo em PDF.
Para
referenciar:
FERNANDES, Hercília M. A
educação (esférica) do homem. Revista
Educação em Questão, Natal, v. 53, n. 39, p. 255-260, set./dez. 2015.